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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Perenialistas
Christophe Andruzac: RENÉ GUÉNON, LA CONTEMPLATION MÉTAPHYSIQUE ET L’EXPÉRIENCE MYSTIQUE

Além da filosofia primeira, o filósofo busca e em seguida descobre um Primeiro na ordem do ser, e pode então verificar que se trata bem do Primeiro que um grande número de homens já conhece de uma maneira mais ou menos certa e mais ou menos pura em sua experiência religiosa (e frequentemente de uma maneira mais ou menos enigmática através dos mitos, das nostalgias, dos substitutos). O filósofo sabe que é sua inteligência especulativa, seu Nous que lhe permitiu a descoberta; tendo descoberto em filosofia do vivente que seu Nous é naturalmente ordenado a ser (apesar que o objeto adequado da inteligência humana, sendo dado seu condicionamento, não seja o ser mas a quididade — o «isto que é» — das coisas sensíveis), compreende que sua inteligência (dependente de um Primeiro na ordem do ser, e não na ordem de seu exercício) possui uma certa atitude (ela é capax Dei, escreve Tomás de Aquino a se ordenar ao Ser Primeiro para compreendê-lo. É esta compreensão, esta intelecção, esta participação à luz deslumbrante do Primeiro - Intelecto Primeiro que chamamos pelo termo técnico de «contemplação metafísica».

A busca seguida da prática desta contemplação desempenha um papel essencial na síntese de Aristóteles; pode-se mesmo afirmar que ela finaliza no sentido forte e dá toda sua significação a sua paciente elaboração de uma filosofia primeira. Em vários pontos de sua Ética ele afirma que aquele que se esforça ao máximo de viver da vida do Nous é o homem mais querido dos deuses. Lembremos o texto mais explícito: «A um tal Princípio estão suspensos o céu e a natureza. E este princípio é uma vida, comparável à mais perfeita que nos seja dada a nós de viver por um breve momento. É sempre com efeito, ele, esta vida aí (o que para nós é impossível) posto que seu ato é também alegria. [...] Se portanto este estado de alegria que não possuímos senão em certos momentos, Deus o tem sempre, isso é admirável; e se tem maior, isso é mais admirável ainda. Ora é assim que ele o tem. E a vida também pertence a Deus, pois o ato da inteligência é vida, e Deus é este ato mesmo; e o ato subsistente em si de Deus é uma vida perfeita e eterna. Também denominamos Deus um vivente eterno perfeito; a vida e a eternidade - duração contínua e eterna pertencem portanto a Deus, pois é isso mesmo que é Deus».

A estes momentos de theoria - contemplação perfeita se produz um contato, um tocar, um «tigein», como diz Aristóteles, pelo Nous da luz do Ser Primeiro. A estes momentos o Nous do homem é totalmente atuado por Aquele cujo ser é uma luz intelectual. Ensaiemos de distinguir duas modalidades da vida da inteligência especulativa do homem: o dianoia - conhecimento intelectual especulativo (de modo discursivo) conhece isto que é a realidade; trata-se de uma assimilação intencional da forma da realidade conhecida e logo da posse da quididade desta realidade conhecida. Esta apreensão pela inteligência tem por fruto imanente um conceito que exprimimos e comunicamos por palavras. Por abstração das determinações acidentais a inteligência apreende a quididade da coisa conhecida e por outras abstrações (que não queremos precisar muito aqui) ela apreende os dois princípios primeiros ao nível do ser: a ousia e o ato, e as determinações primeiras: a qualidade, a quantidade, o um, a relação, etc. Em revanche a contemplação metafísica (conhecimento de modo contemplativo) não procede mais por abstração mas por uma espécie de conaturalidade, o verbo interior então produz não sendo mais uma espécie de cópia da realidade, um conceito, mas um excesso de luz espiritual, o Ser Primeiro comunicando sua vida e sua luz a quem está suficientemente purificado para poder adquirir o habitus contemplativo. Então desta contemplação o espírito é como estabilizado na presença de imensidade do Ser Primeiro e é como imerso em sua luz. O fruto desta contemplação superando a disposição habitual a conhecer da inteligência, se cremos naqueles que a experimentaram, é preciso admitir que o Ser Primeiro participa à atuação do Nous em lhe acordando uma superabundância de seu bem próprio: esta superabundância não é essa «qualquer coisa de divino» que possui a inteligência — como o afirma Aristóteles?