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aporrhoai

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

gr. ἀπορροαί, aporrhoaí: Para Empédocles   as coisas materiais são formadas por misturas dos quatro elementos básicos (stoicheia) "que se atraem uns aos outros". Cada objeto libera uma corrente constante de emanações (aporrhoai) que entram nas passagens (poroi) que lhe correspondem nos sentidos apropriados e resulta a sensação.


O termo apórroia (emanatio) não deve sua origem ao neoplatonismo  , pois ele já se encontra em Empédocles, conforme o fragmento B89 de DIELS/KRANZ (Die Fragmente der Vorsokratiker  ). Também no gnosticismo   a apórroia assume grande momento: se este mundo resulta da emanação de Deus, então está superado o abismo intransponível entre Deus e o mundo. Típico da emanação do gnosticismo é que fica salvaguardada a essência do emanante (des Aussendenden), mas verifica-se uma diminuição quantitativa. Por fim, vale recordar que MARCO AURÉLIO, em Pensées pour moi-même, escreve: "(...) il faut que tu sentes (...) de quel être tu es une émanation" (Livre II, 4, 2). [Ullmann  ]
O autor das Enéadas faz clara distinção entre originante e originado, entre causa e efeito". Por essa razão, concordamos com Giovanni Reale  , quando diz: "Orbene, di ’emanazione’ Plotino parla solo nelle sue immagini, mentre la sua dottrina ne è la negazione". Concordamos também com o mesmo autor, quando justifica a sua asserção: a) as hipóstases sucessivas (isto é, as instâncias mediadoras) do Uno não são de fato um fluxo da substância do Uno; b) em consequência, não são a substância do Uno despotenciada; c) não derivam do Uno por mera necessidade natural (física  ).

Por que se dá a emanação? Responde Plotino: "Ele (Uno) é perfeito, porque nada procura, de nada tem necessidade; por isso, pelo assim dizer, ele desborda, e a sua superabundância gera outra coisa". Nada perde de si, nada acrescenta a si, nem deseja aumentar-se. A produção do Uno é livre, porquanto ninguém está acima dele para obrigá-lo a agir. E também necessária, porque ele é a própria necessidade e a lei de tudo o mais. Nada produz por acaso (tyche), mas é causa (aitia) que organizou tudo racionalmente. Não se trata de causalidade mecanicista, no sentido de depauperar ou tornar melhor o Uno, por ser perfeitíssimo.

O Uno, dir-se-ia, sente-se "obrigado" a comunicar a sua bondade - ’’bonum est diffusivum sui’’ - e a fazer as coisas partícipes de sua perfeição. "Esse surgimento é, num sentido, necessário, porque não pode conceber-se que não ocorra ou que ocorra de outro modo. Porém, é totalmente espontâneo, no sentido de que o Uno não está sujeito a compulsão externa nem interna". Por isso a emanação plotiniana não pode ser interpretada como cego automatismo. Ela é de fato resultado de uma iniciativa pessoal . A errônea interpretação das metáforas empregadas pelo licopolitano - difusão da luz, do perfume, do calor, etc. -, em face da dificuldade de explicar logicamente o processo da emanação, conduziu à ideia de que Plotino é panteísta.

Plotino intuiu a emanatio como explicação última da origem do múltiplo.

Nenhuma necessidade (carência), mas a perfeição e a bondade constituem a causa da emanação. Com isso fica excluída a ideia de emanação automática que as metáforas poderiam sugerir.

O filósofo licopolitano compara o Uno a) com o fogo de que emana calor; com a neve que espalha o frio; com a substância odorífera que exala o perfume; com o ser vivo que gera outros seres vivos; b) com a luz que irradia de uma fonte luminosa, sem se esgotar jamais; c) com a fonte de água inexaurível, formadora de rios; d) com círculos concêntricos.

Do Uno provém o Noûs, o qual, pois, é posterior ao originante, mas anterior àquilo que vem depois dele, isto é, a Alma.

Para não ser entendido erroneamente, convém aprofundar o sentido de emanatio. Em Plotino, a substância do Uno não é idêntica à dos entes dele provenientes. O Noûs constitui uma modalidade ontológica distinta, isto é, uma outra hipóstase. "O Uno, como fonte dos melhores bens, não sofre diminuição". Por outra, ao gerar o Noûs, denominado hen polla, ele é imagem eterna do Uno. O Intelecto existe desde sempre como expressão eterna do Uno. Contemplando o Uno, o Noûs gera em si mesmo o mundo das ideias (kosmos noetos). Por essa razão, o Noûs é cognoscente e conhecido, contemplante e contemplado, sujeito e objeto; é vida infinita, na dimensão imaterial e atemporal. Ele não precisa procurar fora de si o conteúdo do seu pensamento, por já encontrá-lo em si mesmo. É plenamente feliz. Por que o Noûs deve volver-se (epistrephein) ao Uno? Por ser ele princípio e causa final. "Ele é a realidade da qual todas as coisas dependem, a qual todas desejam como princípio e da qual têm necessidade". O volver-se, o retornar ao Uno confere ao Noûs o estatuto de intelecto e de ser. Em outras palavras, do Uno ele recebe a sua determinação. É que, no início, o Noûs "não era ainda um intelecto que contemplava o Uno; era um olhar (contemplar) sem inteligência". Por meio dessa contemplação, no Noûs constitui-se o universo inteligível, o kosmos noetos, os inteligíveis simplesmente. A relação do Noûs (e o mesmo vale depois para a Alma) com o Uno não consiste tanto em ter provindo dele, mas em voltar-se a ele, em converter-se a ele.

Contrariamente a Platão  , os inteligíveis encontram-se no Intelecto e não num mundo à parte. E mais. Há perfeita coincidência entre o Noûs e o inteligível, entre o ato de conhecimento e o objeto de conhecimento. Estamos, aqui, ante o máximo esplendor da verdade, ante a plena coincidência entre o sujeito e o objeto. [Ullmann]


LÉXICO: APORRHOAI; emanação; emanatismo