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mortificação

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Tanquerey  : COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA

A mortificação contribui, como a penitência, para nos purificar das faltas passadas; mas o seu fim principal é premunir-nos contra as do presente e do futuro, diminuindo o amor do prazer, fonte dos nossos pecados.

Encontramos sete expressões principais nos Escrituras Cristãs - Livros Santos, para designar a mortificação sob os seus diversos aspectos.

1. A palavra renúncia: «qui non renuntiat omnibus quae possidet non potest meus esse discipulus» — apresenta-nos a mortificação como um ato de desprendimento dos bens exteriores, para seguirmos a Cristo. Assim fizeram os Apóstolos: «relitis omnibus, secuti sunt etim».

2. É também uma abnegação ou renúncia a si mesmo: «Si quis vult post me venire, abneget semetipsum»... E na verdade, o mais terrível dos nossos inimigos è o amor próprio desordenado; eis o motivo por que é forçoso desapego - desapegar-nos de nós mesmos.

3. Mas a mortificação tem um lado positivo: é um ato que fere e atrofia as paixões - más tendências da natureza: «Mortificate ergo membra vestra... Si autem Spiritu fata carnis mortificaveritis, vivetis»...

4. Mais ainda, é uma crucificação da carne e das suas concupiscências, pela qual cravamos, por assim dizer, as nossas faculdades à lei evangélica aplicando-as à oração, ao praxis - trabalho: «Qui... sunt Christi, carnem suam crucifixerunt cum vitiis et concupiscentiis»....

5 Esta crucifixão, quando persevera, produz uma espécie de morte e de enterramento, pelo qual parecemos morrer completamente a nós mesmos e sepultar-nos com Jesus Cristo, para vivermos com Ele uma vida nova: «Mortui enim estis vos et vita vestra est abscondita cum Cristo in Deo... Consepulti enim sumus cum illo per baptismum in morrem».

6. Para exprimir esta nascer de novo - morte espiritual, S. Paulo serve-se doutra expressão: como, depois do batismo, há em nós dois homens, o homem velho que fica, ou a tríplice concupiscência, e o homem novo ou o homem regenerado, declara o Apóstolo que é nosso dever «despojar-nos do homem velho, para nos revestirmos do novo: expoliantes vos veterem hominem... et induentes novum».

7. E, como isto se não faz sem agon - combater, declara ainda que a vida é um combate «bonum certamen certavi», que os cristãos são lutadores ou atletas que castigam o seu corpo e o reduzem a servidão.

De todas estas expressões e outras análogas, resulta que a mortificação compreende um duplo elemento: um negativo, o desprendimento, a renúncia, o despojamento; e outro positivo, a luta contra as paixões - más tendências, o esforço para as mortificar ou atrofiar, a crucificação, a morte da carne, do homem velho e das suas concupiscências, a fim de vivermos da vida de Cristo.

Expressões modernas. Hoje vai-se preferindo o uso de expressões mitigadas, que indicam o fim que se pretende atingir, antes que o esforço que para isso se tem de empregar. Diz-se que é mister reformar-se a si mesmo, mestre de si - governar-se a si mesmo, fazer a educação da vontade, orientar a sua alma para Deus. Estas expressões são exatas, contanto que se saiba mostrar que ninguém pode reformar-se e mestre de si - governar-se a si mesmo, sem agon - combater e mortificar as paixões - más tendências que em nós existem; que não se faz a educação da vontade, senão mortificando, disciplinando as faculdades inferiores, e que não há possibilidade de alguém se orientar para Deus senão desapego - desapegando-se das criaturas e despojando-se dos próprios vícios. Por outros termos, é necessário saber, como faz a S. Escritura, reunir os dois aspectos da mortificação, mostrar o fim, para consolar, mas não dissimular o esforço necessário para o atingir.

Definição. Pode-se, pois, definir a mortificação: a luta contra as paixões - más inclinações, para as submeter à vontade, e esta a Deus. É menos uma virtude que um complexo de virtudes, o primeiro grau de todas as virtudes, que consiste em vencer os obstáculos, no intuito de restabelecer o equilíbrio das faculdades, a sua ordem hierárquica. Assim se vê melhor que a mortificação não é um fim, senão um meio; o homem não se mortifica senão para viver uma vida superior, não se despoja dos bens exteriores senão para melhor conseguir os bens espirituais, não se renuncia a si mesmo senão para possuir a Deus, não luta senão para gozar da paz, não morre a si mesmo senão para viver da vida de Cristo, da vida de Deus. A união com Deus é, pois, o fim da mortificação. Assim, melhor se compreende a sua necessidade.