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descida cósmica

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Perenialistas
Jean Borella  : Excertos de La Charité profanée

O homem é um ser da natureza e apresenta portanto uma estrutura análoga àquela de todos os seres criados. Há nele realidade corporal, realidade psíquica e realidade espiritual. Nomearemos estas três «partes» do homem: corpo, alma, espírito: em latim corpus, anima, spiritus. Trata-se, dissemos, de três realidades de natureza diferente, ou melhor, de uma única e mesma realidade, de natureza espiritual, cujas modalidades anímica e corporal, primitivamente compreendidas nela a título de possibilidades, se atualizaram como tais no estado separado (ou quase separado, pois uma separação total equivaleria à inexistência pura e simples).

Se queremos nos representar este estado principial do homem, poderemos figurá-lo soba a forma de uma esfera menor, aquela do psiquismo, próxima ela mesma sobre um ponto, centro das duas esferas precedentes, e correspondendo ao corpo. O corpo aparece como uma modalidade infinitesimal da realidade espiritual do homem principial. Mas ele aparece em seguida como o que há de mais interior e de mais secreto no espírito.

Este homem principial corresponde ao Adão do Relato dos Seis Dias - primeiro relato da criação, aquele que é criado à imagem e à semelhança de Deus. O Segundo Relato   - segundo relato da criação do homem, já representa uma descida cósmica ao nível propriamente sutil. A esfera pneumática não envelopa mais as esferas anímica e corporal. Ao contrário o pneuma (o espiritual) é insuflado no corpo, e o homem, por esta insuflação se torna uma «alma vivente». Isso significa ao mesmo tempo que o pneumático é bem o princípio do psiquismo (que portanto dele é o efeito), mas também que o psiquismo se torna a forma geral da humanidade. Enfim, o pecado original é a causa de uma segunda descida cósmica, ao nível do corporal esta vez: «seus olhos se abriram e eles viram que estavam nus». O corpo não é mais vestido da alma, ele não é mais unicamente uma modalidade sutil, mas se corporifica e envelopa a alma: «E Deus fez para Adão e a sua mulher túnicas de pele e Ele delas o revestiu». É a atualização da modalidade corporal propriamente dita, tal qual a conhecemos presentemente, as túnicas de pele simbolizam a forma corporal que envelopa a forma sutil [1]. Ao termo deste processo de exteriorização progressiva, a ordem das esferas antropológicas é portanto invertida; a esfera corporal envelopa a esfera anímica que envelopa ela mesma a esfera pneumática. Esta aparece então por sua vez como um ponto infinitesimal, e se o projeta estas esferas sobre o plano horizontal, obtém-se dois círculos concêntricos (o corporal cercando o psíquico) com, no centro, o ponto espiritual correspondendo ao traço da vertical ascendente. Deve-se observar por outro lado que a esfera anímica ocupa sempre uma situação intermediária, enquanto o corporal e o espiritual tendo trocado suas posições respectivas apreende-se a relação direta que os une, e compreende-se assim que o corpo é verdadeiramente o símbolo visível do espírito invisível. Restaurar o Adão principial consistirá portanto em tornar o espírito corporal e o corpo espiritual. Eis aí o ensinamento de numerosas escolas místicas. (v. Anima)


Observações

[1Esta interpretação que parecerá «absurda» a nossos contemporâneos, é no entanto tradicional nos Padres gregos, em particular em Gregório de Nissa. Os textos propriamente antropológicos do AT serão estudados posteriormente mas é evidentemente impossível de aí não fazer alguma alusão, mesmo em uma démarche puramente filosófica, ao menos a título de ilustração. — A imagem das túnicas materiais para designar o corpo se encontra igualmente na tradição platônica: cf. Proclus. Elementos de Teologia, introdução e tradução de J. Trouillard, 1964, n. 209, p. 187.