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caminho dos anjos

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Perenialistas
Ananda Coomaraswamy  : Coomaraswamy Filosofia - DA PERTINÊNCIA DA FILOSOFIA

Do ponto de vista da metafísica, perguntamos: qual é o trajeto completo de uma individualidade potencial, desde o "momento" em que acorda pela primeira vez no oceano primordial da possibilidade universal até o "momento" em que chega ao último porto? É uma volta à origem e fonte da vida, de onde provém a vida, portanto é uma passagem de um "afogamento" para outro; mas com uma diferença, válida do ponto de vista do próprio indivíduo em si, desde que seja um Caminhante - Viandante, e não um Compreendedor, pois, vista como um processo, é uma passagem que parte de uma perfeição meramente possível, atravessa uma imperfeição real e acaba numa perfeição real, da potencialidade para o ato, do cochilo (abodhya) para um despertar pleno (sambodhi). Deixando de lado por enquanto o Caminho do Patriarca, por ser um trajeto circular, e considerando apenas o Caminho dos anjos ou devayana (que é reto e diz respeito basicamente ao Rg Veda   e especificamente ao mumuksu do indivíduo), podemos dizer que no início este é um Caminho de uma percepção decrescente, e depois de uma percepção cada vez maior de todas as possibilidades intrínsecas ao fato de existir num dado modo (como o humano, por exemplo) e finalmente acaba levando à percepção de todas as possibilidades de existir em todo e qualquer modo; e, acima e além disto, de não existir em modo nenhum. Não podemos deixar de aludir aqui à parte que é considerada iniciação, no que diz respeito a isso, dizendo apenas que a intenção da iniciação é comunicar de um para outro um impulso espiritual, ou melhor, intelectual que foi transmitido continuamente em guru-parampara-krama desde o início e, em última análise, não tem origem humana e pelo qual o indivíduo, contraído e desintegrado, é acordado para a possibilidade de uma reintegração (samskarana); e só temos a dizer ainda que os ritos metafísicos ou mistérios (que são uma imitação dos meios empregados pelo Pai para conseguir a Sua própria reintegração e cuja necessidade é ocasionada pela incontinência do ato da criação) são, da mesma maneira que as escrituras tradicionais análogas, destinadas a proporcionar ao indivíduo a instrução preparatória e os meios de operação intelectual; mas a "Grande Obra", que é conseguir reunir a essência com a Essência, tem de ser feita por ele mesmo dentro de si mesmo.

Até agora seguimos o trajeto do Caminhante - Viandante pelo Caminho dos anjos até o domínio espiritual ou intelectual; e aqui, do ponto de vista religioso, fica a imortalidade dele, pois na realidade "a duração da eviternidade é infinita" (Santo Tomás de Aquino   em Summa Theologica (Tomás de Aquino) 1 .q. 10, a.5, ad.4). Mas será mantido na metafísica ou mesmo numa religião ou por um místico individual como Eckhart   (desde que o sentimento religioso seja devocional e intelectual no sentido mais profundo dessas duas palavras) que uma eviternidade - estação eviterna (pada), tal como está implicada no conceito de existir num céu, não é o fim nem é de modo algum uma volta plena (nivrtti): é apenas um local de repouso (visrama) [1]. E da mesma forma será mantido que conceber o domínio intelectual propriamente dito como um lugar de lembranças seria uma derrogação, pois como diz Plotino   dos seus habitantes, "se eles nem procuram nem duvidam, e nunca aprendem, nada estando em tempo algum ausente do conhecimento deles. . . que raciocínios, que processos de pesquisa racional podem ocorrer neles? Em outras palavras, viram Deus e não se lembram? Ah, não. . . uma reminiscência como essa é só para almas que esqueceram" (Enéada, IV.4.6) [2]; e ainda temos muito mais a dizer com relação às lembranças mundanas (vasana): "quando a ação das almas é dirigida para outra ordem, precisa rejeitar profundamente a lembrança dessas coisas, que agora já estão mais que acabadas (Enéada IV.4.4.8).


Observações

[1Saddharma Pundarika V.74. Analogamente, a finalidade verdadeira dos atos rituais e dos sacrifícios oferecidos do Veda não é atingir o céu temporário, mas despertar um desejo de conhecer a Essência (atman). (Siddhantamuktavali XXXIII, com a nota de Venis intitulada "O Paraíso não passa da casa no meio do caminho, por assim dizer").

[2Analogamente no Paradiso XXIX.79-81, Dante diz que "lá a vista nunca é interceptada por nenhuma percepção nova, por isso não há necessidade de memória, pois o pensamento não foi dividido".