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Délumeau (Paraíso) – Dante e o Pseudo-Dionísio
sábado 5 de novembro de 2022
Excertos de "O que sobrou do paraíso?"
Dante construiu seu Paraíso de maneira deslumbrante a partir de A hierarquia celeste do Pseudo-Dionísio. De fato, aprendera com este que os sete céus planetários, depois, acima deles, o céu das estrelas fixas e o do "primeiro motor" (circundado pelo empíreo ), são habitados pelos nove coros angélicos e que as diferentes categorias de espíritos celestes servem de mediadores para fazer vir de cima para baixo a força divina que move os astros. A Antiguidade pagã atribuía aos principais deuses do Olimpo o governo dos sete planetas e o controle das influências que daí decorrem sobre os humanos. O Areopagita contribuiu, mais que qualquer outro, para cristianizar esse mito , permanecendo no interior do universo que o astrônomo e geógrafo grego Ptolomeu descrevera.
No Convívio (O banquete ), obra inacabada redigida em 1304-7, Dante, de acordo com a doutrina do Pseudo-Dionísio, já repartira a condução dos nove céus entre os nove coros da hierarquia celeste, mas por vezes afastando-se ligeiramente da nomenclatura do Areopagita. Na época, ele ainda não estudara em profundidade as obras de santo Tomás de Aquino . Havia preenchido essa lacuna quando compôs A divina comédia, terminada pouco antes de sua morte, em 1321, e, como santo Tomás de Aquino, conformou-se pontualmente no Paraíso à nomenclatura herdada do Pseudo-Dionísio. No canto X (v. 115-7), Beatriz convida Dante a olhar "a chama desse círio que, embaixo, em sua carne , mais intimamente viu a natureza dos anjos e seu ofício". Esse "círio" é Dionísio. Mais adiante, no canto XXVIII (v. 97-132), Beatriz, relembrando a hierarquia dos espíritos celestes e a dos diferentes céus, sublinha:
"Dionísio com tal desejo pôs-se a contemplar essas ordens (angélicas) que as nomeou e distinguiu como eu faço". A ascensão ao paraíso realizada por Dante efetua-se realmente na esteira do Areopagita, segundo um esquema que combina a astronomia de Ptolomeu cristianizada, a hierarquia angélica e a dos eleitos:
Níveis do céu | Espíritos celestes | Eleitos |
l° céu: Lua | Anjos | Os que foram impedidos de observar seus votos |
2° céu: Mercúrio | Arcanjos | Os que fizeram o bem pela reputação ou pela honra |
3° céu: Vênus | Principados | Os que foram dominados pelo amor |
4° céu: Sol | Potestades | Os grandes doutores |
5° céu: Marte | Virtudes | Os combatentes da fé |
6° céu: Júpiter | Dominações | Os príncipes justos e piedosos |
7° céu: Saturno | Tronos | Os grandes contemplativos |
8° céu: das estrelas fixas | Serafins e querubins | Triunfo do Cristo ; apoteose da Virgem, são Pedro , são Tiago e são João |
9° céu (primum mobile ou céu cristalino) | Os nove coros angélicos reunidos em torno de Deus Empíreo | |
Empíreo = Rosa celeste | Os bem-aventurados aparecem revestidos dos corpos que terão no Juízo Final |
Uma das invenções mais geniais de Dante é ter imaginado, na parte mais elevada do céu, o empíreo como uma rosa mística. Semelhante a um anfiteatro "com mil degraus", essa rosa é formada de todos os eleitos que, gozando do privilégio de bilocalização, têm também a faculdade de estar presentes nas diversas esferas celestes que o poeta e Beatriz atravessam, elevando-se de céu em céu. Segundo o princípio hierárquico definido pelo Areopagita, Dante quis significar, assim, que nem todos os eleitos e espíritos celestes têm a mesma capacidade de beatitude — daí seu maior ou menor afastamento em relação ao centro da rosa, e sua distribuição vertical entre os diversos céus —, mas que a capacidade de cada um é perfeitamente preenchida. No mesmo espírito, santo Tomás de Aquino afirmara: "Embora haja apenas um único lugar espiritual, há diversos graus de aproximação em relação a ele".
Ver online : Jean Délumeau