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Schopenhauer: a razão (Vernunft) e o entendimento (Verstand)

terça-feira 14 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Os professores que detêm as cátedras das faculdades de filosofia consideram [290] aconselhável que justamente aquilo que diferencia o homem dos animais, ou sejam, as faculdades de pensamento e de reflexão [..] seja dissociado de seu nome anterior e não seja mais designado como “Razão” (Vernunft), porém [...] preferem denominá-lo [...] de entendimento (Verstand). [...] Isto se deve ao fato de que precisavam no nome e da abrangência do termo “Razão” para denominar uma faculdade inventada e imaginada por eles. [...] Uma faculdade imediata e metafísica, ou seja, acima de tudo, indicando a possibilidade da experiência que engloba o mundo das coisas e todos os seus relacionamentos, ao passo que, aprioristicamente, constituíram acima de todas as coisas uma “consciência divina” (Gottbewußsein) por meio da qual o próprio Senhor Deus possa ser imediatamente conhecido, enquanto que também construíram a priori a maneira como a divindade criou o mundo; caso isto nos parecesse demasiado trivial, trataram de explicar a forma como Ele o fez surgir a partir de Si mesmo e de certo modo o engendrou mediante um processo vital mais ou menos necessário que, por mais que seja cômodo, também é extremamente cômico, [...] porque consiste simplesmente em afirmar que Deus “deu alta” (entlassen), ao mundo, de tal modo que pudesse sair a andar sobre suas próprias pernas e ir para onde lhe aprouvesse. Certamente este tipo de coisa só poderia ter saído da cabeça de um misturador de ideias sem sentido, como o foi Hegel. É este tipo de tolice que vem sendo publicado durante os últimos cinquenta anos, enchendo sob a capa de conhecimentos racionais centenas de livros que se autodenominam filosóficos e que se espalham por toda parte. [...] A Razão a que se atribuem tantas mentiras fraudulentas como exemplos de sabedoria, é explicada por eles como sendo “uma faculdade do suprassensível” (Vermögen der Übersinnlichen) ou uma capacidade “das ideias”; em resumo, falam de uma faculdade oracular capaz de abordar diretamente a metafísica e que se acha imanente dentro de todos nós. Sobre as maneiras apresentadas pela razão para captar todas estas magnificências e percepções suprassensíveis ainda permanece uma grande diversidade de opiniões entre os adeptos deste ponto de vista. De acordo com os mais atrevidos (Dreistesten), existe uma intuição racional imediata do absoluto, ou então uma percepção ad libitum (se assim preferirem) do infinito e de sua evolução para o finito (Endlichen). Há outros mais modestos, segundo os quais as funções que a razão desempenha não podem ser comparadas com a visão, porém antes com a audição, já que o que a [291] razão executa não é propriamente intuir, mas sim escutar o que se passa [...] nos páramos fantásticos das nuvens (Wolkenskuckucksheim). Após haver “escutado”, a razão relata tais fatos ao assim chamado “entendimento” e este escreve compêndios filosóficos com base nestas informações recebidas.


Ver online : Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. Uma biografia.