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Espinosa (CM:II,12) – A ALMA HUMANA

sábado 11 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Deve-se passar já à substância criada, que dividimos em extensa e pensante. Por substância extensa entendíamos a matéria ou substância corpórea. Por substância pensante, só as almas humanas. (...)

A alma humana não procede de um intermediário, mas é criada por Deus; mas não se sabe quando é criada. — Voltemos, pois às almas humanas, das quais pouca coisa há ainda a dizer; temos só que advertir que nada dissemos acerca do tempo da criação da alma humana, porque não consta de um modo suficiente em que tempo Deus a cria, já que pode existir sem corpo. O que é certo é não proceder de um intermediário, pois isto só acontece nas coisas que são geradas, isto é, nos modos de alguma substância; mas a substância mesma não pode ser gerada, mas só criada pelo único Onipotente, como antes já demonstramos.

Em que sentido a alma humana é mortal. — Para acrescentar algo acerca de sua imortalidade, é suficientemente certo que não podemos dizer de nenhuma coisa criada, que repugne à sua natureza ser destruída pela potência de Deus. Pois quem teve poder para criar uma coisa, também o tem para destruí-la. Acrescente-se o que já demonstramos suficientemente, que nenhuma coisa criada pode existir por sua natureza um momento sequer, mas é continuamente recriada por Deus.

Em que sentido é imortal. — Embora sendo assim, vemos no entanto de um modo claro e distinto que não temos nenhuma ideia pela qual conceber que uma substância se destrua, assim como temos ideias da corrupção e da geração dos modos. Pois compreendemos claramente, quando consideramos a fábrica do corpo humano, que tal fábrica pode destruir-se; mas não concebemos igualmente, quando consideramos a substância corpórea, que esta possa aniquilar-se. Por último, o filósofo não busca o que o sumo poder de Deus pode fazer, mas julga acerca da natureza das coisas, segundo as leis que Deus estabeleceu para elas; pelo que julga que é fixo e seguro aquilo cuja fixidez e segurança se inferem dessas leis; embora não negue que Deus possa alterar essas leis e todas as demais coisas. Pelo que não indagamos também nós, quando falamos da alma, o que pode Deus fazer, mas só o que se segue das leis da natureza.

Demonstração de sua imortalidade. — Visto se seguirem destas, claramente, que uma substância não pode destruir-se nem por si nem por outra substância criada, como já demonstramos antes amplamente, se não me engano, vemo-nos obrigados pelas leis da natureza a afirmar que a alma é imortal. E se queremos penetrar ainda mais na questão, podemos demonstrar de um modo evidentíssimo que é imortal. Pois, como acabamos de demonstrar, segue-se claramente das leis da natureza que a a alma é imortal. Ora, essas leis da natureza são decretos de Deus revelados pela luz natural, como consta também evidentissimamente por aquilo que antes se afirmou. Por tudo o que concluímos claramente que Deus manifestou aos homens sua vontade imutável acerca da duração das almas, não só por revelação como também pela luz natural.