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Homem e Absoluto segundo a Cabala

Schaya (Cabala:46-51) – Hesed-Din / Graça-Rigor

A Hierarquia Sefirótica

domingo 6 de novembro de 2022, por Cardoso de Castro

      

Hesed   é o Amor de Deus  , que criou o mundo em precedendo Seu Rigor  , Din.

      

O primeiro «traço» que aparece na «Pequena Face  » de Deus  , é Hesed  , Sua «Graça». «Hesed» vem (qualitativamente) do lado do Pai   (Hokhmah  )», mas hierarquicamente do lado da «Mãe», Binah  . O Fluxo infinito   e indistinto de pura Beatitude  , Hokhmah, não permanece o que é senão no seio da Tri-Unidade   Suprema, onde vai — simbolicamente falando — de Face à Face divinas, sem sofrer   qualquer modificação. Quando sai da «Grande Face  » para engendrar a Irradiação criadora da «Pequena Face», Sua Claridade «se choca» no «prisma» da «Inteligência» suprema em sete   Luzes sefirótica, que no entanto permanecem inseparáveis em sua «co-infinidade» como em sua cooperação. Sem esta refração extrínseca da Claridade eterna e ilimitada, a Criação, que por definição tem limites, não poderia ser efetuada; não haveria efeitos cósmicos, mas unicamente a Realidade transcendente da «Grande Face».

Hesed, a «Graça» ou primeira Irradiação cosmológica de Deus, não é portanto a Beatitude que repousa nela mesma, mas a «Felicidade sagrada» que se dá a «outro», e segundo as necessidade   do «outro»: Ela é a Caridade em todas suas acepções possíveis, a Iluminação do Criador, enquanto realiza e reencontra, com uma doçura sem limite, os limites do criado. É o Ser   necessário que dá Sua Realidade como Vida a tudo o que deve existir, e que acorda a toda coisa a liberação de suas limitações existenciais.

Estes dons da Graça seriam impossíveis sem a determinação simultânea dos limites ou condições cósmicas; pois sem os limites, não haveria senão o Infinito, a Beatitude em si. A fim de poder se revelar por suas possibilidades manifestáveis, a Graça deve limitá-las; Ela o faz por meio do Rigor   ou do «Juízo» universal  , Din, que Ela guarda no sei de sua luminosidade, como um gérmen obscuro  . Quando este gérmen se desenvolve toma o aspecto de uma Sefira particular, que parece contradizer, mas completa em realidade aquela da qual ela se originou.

Hokhmah determina o Ser dos Arquétipos e Binah sua Qualidade  ; Hesed manifesta sua Unidade e sua Ilimitação, e Din «mede» suas manifestações distintas fixando por aí mesmo as limitações ou condições fundamentais de tudo o que existe. Din se manifesta assim como Lei universal, a fim de que esta possa receber   Hesed, a Graça ou Imanência sobrenatural, incriada e infinita de Deus.

A Graça é chamada o «Braço direito» de Deus, e a Lei, Seu «Braço esquerdo». Deus tem, por estas duas manifestações opostas e complementares, toda a Criação em equilíbrio. Esta, com efeito, não poderia subsistir nem por Sua única Graça nem por Seu único Rigor. Pois Hesed, a Graça, é a Emanação   contínua do Infinito que não poderia ter relação com o Cosmo limitado, sem a interpenetração prévia com a Causa   de todo limite: Din, o Juízo ou a Emanação descontínua de Deus. E se se retira deste Juízo universal a penetração pela Graça, se tornaria impossível o Ato Criador; pois então, não haveria senão negação de toda negação do Infinito, logo extinção de tudo que é finito  .

Sem o Poder afirmativo da Graça, que não é outro senão a Presença criadora, conservadora e redentora de Deus no seio do Cosmo, a Natureza não poderia fazer nada eclodir. Todas as coisas, determinadas em seus limites pelo Rigor de Deus, participam intimamente, em sua realidade positiva, de Sua Graça imanente. Esta é a afirmação pura de Sua Transcendência; o «Raio  » luminoso que liga todos os efeitos cósmicos a sua Causa suprema; o «Eixo  » universal, ao redor do qual gravitam todos os mundos, os seres e as coisas.

Hesed é o Amor de Deus, que criou o mundo em precedendo Seu Rigor, Din. Deus em Si é pura Beatitude, e quando Ele se debruça sobre a possibilidade da criação, Sua Beatitude se torna a «Benevolência das Benevolências», a Bondade, a Misericórdia: a Graça. Em Deus, o Rigor não é Cólera, mas um aspecto indistinto de Sua Verdade que, por sua vez, não difere em nada de Sua Beatitude. Pois Sua Verdade é que só Ele é; e Sua Realidade única e universal é Sua Beatitude.

Deus criou o mundo ao mesmo tempo por Sua Verdade e Sua Beatitude. Ele o criou para afirmar — por Sua Graça, manifestando Sua Verdade como Beatitude — que tudo é nEle, e para negar — por Seu Rigor, glorificando Sua Realidade como Unicidade — tudo o que se encontra ilusoriamente «fora dEle».

O Rigor, negação da negação do único Real, se manifesta a princípio como Vazio   ou Obscuridade cósmica, excluindo toda criação distinta em face do «Um sem segundo». Mas a Graça, ou afirmação direta da Infinidade divina — que, Ela, abraça, penetra e integra todo limite — a arrebata do exclusivismo do Rigor, e enche o Vazio cósmico e tenebroso pela Plenitude   espiritual e luminosa de Sua Imanência, engendrando assim todos os seres e as coisas criadas. Então, o Rigor é transformado em «recipiente» da Graça e aparece na Criação distinta, como «Medida» dos limites existenciais, a partir de sua determinação primeira até sua supressão última no Infinito. A Graça, em virtude de   sua Ilimitação, desdobra o criado indefinidamente, até a plenitude de sua medida, enquanto as condições existenciais não cessam de ser efetuadas pelo Rigor; mas aí onde a medida cósmica chega a seu fim, o Rigor, por uma contração extrema, faz entrar a totalidade   criada em sua Origem primeira: a «Graça das Graças», a Beatitude infinita do único Verdadeiro e único Real.

Vê-se assim, de maneira mais precisa, porque o Rigor divino — que em definitivo não tende senão a dissolver   tudo o que, do criado, se opõe, por suas limitações naturais mesmas, à Graça infinita — não poderia ser identificado unicamente à Cólera de Deus. Esta, com efeito, não é senão um aspecto cósmico de Seu Rigor. Din não se torna Cólera senão em vistas e no seio do criado, e unicamente na medida onde este se glorifica como um «outro Deus» negando o «único Real». Aí onde o criado não é senão a expressão pura e direta da Vontade criadora de Deus, ele não pode ser objeto de Seu Furor; aí ele é, ao contrário, o receptáculo   de Sua Graça que a preenche da Luz incriada e beatifica, e o reabsorve finalmente nEla.

O Rigor de Deus nega o que não é Ele, o único Real; Ele nega o nada  , que, graças a Sua Toda-Realidade infinita, não existe. Mas para isso, é preciso que Deus Ele mesmo conceda ao nada inexistente uma certa realidade irreal, a aparência enganosa de uma «outro que Ele»: a ilusão existencial. É o que Ele opera por Binah, Sua Inteligência onto-cosmológica, que não é outra senão Sua Receptividade ou Seu Vazio, Sua Possibilidade obscura, ininteligível e antinômica, oculta no seio de Sua Plenitude luminosa, una e unitiva, Hokhmah. Assim, Binah aparece como a Causa mais profunda do «mal». Mas seria falso pensar   que em Deus, o único Bem, possa haver traço de um mal qualquer, pois nEle não há traço de nenhum limite. Binah não determina o «mal» senão o negando ao mesmo tempo, pelo «bem» que Ela lhe opõe: Ela afirma o bem por Hesed, e nega o mal por Din. Deus em criando o mundo, não o separa dEle por Seu Rigor senão para uni-lo a Ele por Sua Graça. Com efeito, o Rigor não separa somente a criação do Criador, assim como todos os mundos, os seres e as coisas criadas, entre elas mesmas, mas Ele as separa finalmente também desta separatividade existencial juntando ao Ato redentor da Graça, que os une todos ao Um.

O Rigor não é portanto senão a Graça, enquanto Ela se manifesta sob uma aparência negativa; Ela é a negação da negação do Real, logo Sua afirmação, Sua Graça. E, como o vimos, a Graça não seria afirmação, sem sua possibilidade negativa: o Rigor. Eis porque a Cabala   diz que «aí onde há Rigor, há também Graça, e aí onde há Graça, há também Rigor». Graça e Rigor são essencialmente uma, o Um que domina tudo e que — segundo o Zohar  , Beschallah 51b — é comparável a «um rei, realizando nele mesmo o equilíbrio e a harmonia   de todos seus atributos, tanto que seu rosto está sempre radiante como o sol  , e que ele é sereno, em sua integridade e sua perfeição; mas quando ele julga, pode também condenar assim como absolver. O insensato, vendo o rosto do rei radiante, pensa que nada há a temer; mas o sábio se diz: «se o rosto do rei é radiante, é porque é perfeito e reúne benevolência e justiça; em seu esplendor se oculta o julgamento  , é porque devo ser prudente». Um tal rei é o Santo único, Rabi Judah encontrou esta ideia expressa nas palavras (Malaquias III,6): «Pois Eu, YHWH  , Eu não mudo»; é como se Deus dizia: «Em Mim, todos os Atributos são harmoniosamente reunidos; em Mim, os dois   Aspectos de Graça e de Rigor não fazem senão um».


Ver online : Leo Schaya