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Nietzsche (GC:§373) – O preconceito “científico”

domingo 14 de novembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

português

373 — O preconceito “científico” — As leis da hierarquia proíbem aos sábios que pertencem à classe intelectual média distinguir os grandes problemas, os verdadeiros pontos de interrogação; nem a sua coragem nem a sua vista podem, de resto, ir assim muito longe; é preciso dizer sobretudo isto: que a necessidade que os leva às pesquisas, a ambição, o desejo íntimo que podem ter de encontrar as coisas feitas desta e daquela maneira, o receio, a esperança que experimentam, depressa ficam apaziguadas, satisfeitas. O que provoca, por exemplo, o entusiasmo particular do pedantesco e britânico Herbert Spencer, que delira à sua maneira, o que lhe faz traçar a linha do horizonte, a linha de esperança no limite do desejável — quero dizer, essa reconciliação do “egoísmo e do altruísmo” com que divaga —, não desperta em nós, ou quase, senão nojo: a humanidade que só tiver como horizonte definitivo as spencerianas perspectivas há-de aparecer-nos digna de desprezo e de aniquilamento! Mas só o fato de ele se não ter podido impedir de considerar como suprema esperança o que aparece, e licitamente, a outros, como repugnante possibilidade, põe um ponto de interrogação que ele não teria sido capaz de prever... O mesmo sucede com a fé com que se satisfazem hoje tantos sábios materialistas que acreditam que o mundo deve ter a sua medida às nossas pequenas escalas e o seu equivalente no nosso pequeno pensamento; acreditam num “mundo do verdadeiro” que a nossa pequena razão humana, a nossa pequena razão grosseira, poderia finalmente vencer... Pois quê! Queremos nós verdadeiramente deixar que assim se degrade a existência? Deixá-la rebaixar ao nível de exercício de cálculo, fazer dela uma pequena punição para matemáticos? Em primeiro lugar, é preciso recusar a todo o custo despojá-la do seu caráter prometaico; é o bom gosto que assim o exige, meus senhores, o respeito por tudo o que ultrapassa o vosso horizonte! Que só valha uma interpretação do mundo que vos dê razão a vós, uma interpretação que autorize a procurar e a prosseguir trabalhos no sentido que vós dizeis científicos (é mecânico que vós pensais, não é verdade?), que só valha uma interpretação do mundo que não permita senão contar, calcular, pesar, ver e tocar, é despropósito e ingenuidade quando não é demência ou idiotia. Não é provável, pelo contrário, que a primeira coisa, e talvez a única, que se possa atingir da existência, seja o que ela tem de mais superficial, de mais exterior, de mais aparente? A sua epiderme apenas? As suas manifestações concretas? Uma interpretação “científica” do mundo, tal como o entendeis, meus senhores, poderá ser, portanto, uma das mais estúpidas entre todas as que são possíveis: seja dito isto ao vosso ouvido, à vossa consciência, mecânicos da nossa época que vos misturais de tão bom grado com os filósofos e que imaginais que a vossa mecânica é a ciência das leis primeiras e últimas e que toda a existência deve assentar nelas, como numa base necessária. Um mundo essencialmente mecânico! Mas havia de ser um mundo essencialmente estúpido. Se medíssemos o “valor” de uma música pelo que dela se pode calcular e contar, pelo que se pode traduzir em números... quão absurda não havia de ser essa avaliação “científica”! Que se teria verdadeiramente apanhado, compreendido, conhecido de uma melodia assim avaliada? Nada, literalmente nada, daquilo que faz precisamente a sua “música”!...

francês

« Science » comme préjugé. – Il découle des lois de la hiérarchie qu’il n’est absolument pas permis aux savants, en ce qu’ils appartiennent à la classe intellectuelle moyenne, d’apercevoir les véritables grands problèmes et points d’interrogation : en outre, leur courage et également leur regard n’y atteignent pas, – surtout, leur besoin, qui fait d’eux des chercheurs, leur anticipation et leur souhait intérieur que les choses soient constituées de telle et telle manière, leur peur et leur espoir sont trop vite apaisés, satisfaits. Ce qui par exemple induit le pédant anglais Herbert Spencer à s’exalter à sa manière et le pousse à dessiner une espérance, une ligne d’horizon du désirable, cette réconciliation finale « de l’égoïsme et de l’altruisme » au sujet de laquelle il divague, cela nous donne presque la nausée : – une humanité avec une telle perspective spencérienne pour perspective ultime nous semblerait digne de mépris et d’anéantissement ! Mais le simple fait qu’il doive ressentir comme son suprême espoir quelque chose qui apparaît et peut légitimement apparaître à d’autres comme une possibilité repoussante, est un point d’interrogation que Spencer n’aurait pas pu prévoir… Il en va également de même de la croyance au moyen de laquelle tant de scientifiques matérialistes trouvent aujourd’hui à se satisfaire, la croyance à un monde qui doit trouver son équivalent et sa mesure dans la pensée humaine, dans les concepts de valeur humains, à un « monde de la vérité » que l’on pourrait en fin de compte saisir grâce à notre petite raison humaine bien carrée – comment ? voulons-nous vraiment avilir de la sorte l’existence pour la rabaisser à un exercice d’esclave du calcul, de mathématicien reclus dans son cabinet de travail ? Il ne faut surtout pas vouloir la dépouiller de son caractère polymorphe : c’est le bon goût qui l’exige, messieurs, le goût du respect pour tout ce qui dépasse votre horizon ! Que seule soit légitime une interprétation du monde dans laquelle vous soyez légitimés, dans laquelle on peut chercher et poursuivre son travail scientifiquement au sens où vous l’entendez (– vous voulez dire, en réalité, mécaniquement ?), une interprétation qui n’admet que de compter, calculer, peser, voir et toucher et rien d’autre, c’est une balourdise et une naïveté, à supposer que ce ne soit pas une maladie de l’esprit, de l’idiotie. Ne serait-il pas assez vraisemblable au contraire que ce que l’on parvient à attraper en premier lieu soit précisément ce que l’existence a de plus superficiel et de plus extérieur – ce qu’elle a de plus apparent, sa peau et sa matérialisation ? peut-être même est-ce la seule chose que l’on puisse attraper ? Une interprétation « scientifique » du monde, telle que vous la comprenez, pourrait par conséquent demeurer l’une des plus stupides, c’est-à-dire les plus pauvres en signification, de toutes les interprétations du monde possibles : cela dit à l’oreille et à la conscience de messieurs les mécanistes, qui aiment aujourd’hui à se glisser parmi les philosophes et croient sans réserve que la mécanique est la doctrine des lois premières et ultimes qui fournissent la base sur laquelle il faudrait édifier toute existence. Mais un monde essentiellement mécanique serait un monde essentiellement dénué de sens ! À supposer que l’on apprécie la valeur d’une musique à partir de la quantité de choses qui en elle peuvent être comptées, calculées, réduites en formules – qu’une telle appréciation « scientifique » de la musique serait absurde ! Qu’en aurait-on saisi, compris, connu ! Rien, absolument rien de ce qui en elle est proprement « musique » !…

inglês

“Science” as Prejudice. — It follows from the laws of class distinction that the learned, in so far as they belong to the intellectual middle-class, are debarred from getting even a sight of the really great problems and notes of interrogation. Besides, their courage, and similarly their outlook, does not reach so far, — and above all their need which makes them investigators, their innate anticipation and desire that things should be constituted in such and such a way, their fears and hopes, are too soon quieted and set at rest. For example, that which makes the pedantic Englishman, Herbert Spencer, so enthusiastic in his way, and impels him to draw a line of hope, a horizon of desirability, the final reconciliation of “egoism and altruism” of which he dreams, — that almost causes nausea to people like us: — a humanity with such Spencerian perspectives as ultimate perspectives would seem to us deserving of contempt, of extermination! But the fact that something has to be taken by him as his highest hope, which is regarded and may well be regarded by others merely as a distasteful possibility, is a note of interrogation which Spencer could not have foreseen.... It is just the same with the belief with which at present so many materialistic natural-scientists are content, the belief in a world which is supposed to have its equivalent and measure in human thinking and human valuations, a “world of truth “at which we might be able ultimately to arrive with the help of our insignificant, four-cornered human reason! What? do we actually wish to have existence debased in that fashion to a ready-reckoner exercise and calculation for stay-at-home mathematicians? We should not, above all, seek to divest existence of its ambiguous character: good taste forbids it, gentlemen, the taste of reverence for everything that goes beyond your horizon! That a world-interpretation is alone right by which you maintain your position, by which investigation and work can go on scientifically in your sense (you really mean mechanically? ], an interpretation which acknowledges numbering, calculating, weighing, seeing and handling, and nothing more such an idea is a piece of grossness and naivety, provided it is not lunacy and idiocy. Would the reverse not be quite probable, that the most superficial and external characters of existence its most apparent quality, its outside, its embodiment should let themselves be apprehended first? per haps alone allow themselves to be apprehended? A “scientific” interpretation of the world as you understand it might consequently still be one of the stupidest, that is to say, the most destitute of significance, of all possible world-interpretations: I say this in confidence to my friends the Mechanicians, who today like to hobnob with philosophers, and absolutely believe that mechanics is the teaching of the first and last laws upon which, as upon a ground-floor, all existence must be built. But an essentially mechanical world would be an essentially meaningless world! Supposing we valued the worth of a music with reference to how much it could be counted, calculated, or formulated how absurd such a “scientific “estimate of music would be! What would one have apprehended, understood, or discerned in it! Nothing, absolutely nothing of what is really “music “in it! ...

original

"Wissenschaft" als Vorurtheil. - Es folgt aus den Gesetzen der Rangordnung, dass Gelehrte, insofern sie dem geistigen Mittelstande zugehören, die eigentlichen grossen Probleme und Fragezeichen gar nicht in Sicht bekommen dürfen: zudem reicht ihr Muth und ebenso ihr Blick nicht bis dahin, - vor Allem, ihr Bedürfniss, das sie zu Forschern macht, ihr inneres Vorausnehmen und Wünschen, es möchte so und so beschaffen sein, ihr Fürchten und Hoffen kommt zu bald schon zur Ruhe, zur Befriedigung. Was zum Beispiel den pedantischen Engländer Herbert Spencer auf seine Weise schwärmen macht und einen Hoffnungs-Strich, eine Horizont-Linie der Wünschbarkeit ziehen heisst, jene endliche Versöhnung von, "Egoismus und Altruismus", von der er fabelt, das macht Unsereinem beinahe Ekel: - eine Menschheit mit solchen Spencer’schen Perspektiven als letzten Perspektiven schiene uns der Verachtung, der Vernichtung werth! Aber schon dass Etwas als höchste Hoffnung von ihm empfunden werden muss, was Anderen bloss als widerliche Möglichkeit gilt und gelten darf, ist ein Fragezeichen, welches Spencer nicht vorauszusehn vermocht hätte... Ebenso steht es mit jenem Glauben, mit dem sich jetzt so viele materialistische Naturforscher zufrieden geben, dem Glauben an eine Welt, welche im menschlichen Denken, in menschlichen Werthbegriffen ihr Aquivalent und Maass haben soll, an eine "Welt der Wahrheit", der man mit Hülfe unsrer viereckigen kleinen Menschenvernunft letztgültig beizukommen vermöchte - wie? wollen wir uns wirklich dergestalt das Dasein zu einer Rechenknechts-Uebung und Stubenhockerei für Mathematiker herabwürdigen lassen? Man soll es vor Allem nicht seines vieldeutigen Charakters entkleiden wollen: das fordert der gute Geschmack, meine Herren, der Geschmack der Ehrfurcht vor Allem, was über euren Horizont geht! Dass allein eine Welt-Interpretation im Rechte sei, bei der ihr zu Rechte besteht, bei der wissenschaftlich in eurem Sinne (- ihr meint eigentlich mechanistisch?) geforscht und fortgearbeitet werden kann, eine solche, die Zählen, Rechnen, Wägen, Sehn und Greifen und nichts weiter zulässt, das ist eine Plumpheit und Naivetät, gesetzt, dass es keine Geisteskrankheit, kein Idiotismus ist. Wäre es umgekehrt nicht recht wahrscheinlich, dass sich gerade das Oberflächlichste und Aeusserlichste vom Dasein - sein Scheinbarstes, seine Haut und Versinnlichung - am Ersten fassen liesse? vielleicht sogar allein fassen liesse? Eine "wissenschaftliche" Welt-Interpretation, wie ihr sie versteht, könnte folglich immer noch eine der dümmsten, das heisst sinnärmsten aller möglichen Welt-Interpretationen sein: dies den Herrn Mechanikern in’s Ohr und Gewissen gesagt, die heute gern unter die Philosophen laufen und durchaus vermeinen, Mechanik sei die Lehre von den ersten und letzten Gesetzen, auf denen wie auf einem Grundstocke alles Dasein aufgebaut sein müsse. Aber eine essentiell mechanische Welt wäre eine essentiell sinnlose Welt! Gesetzt, man schätzte den Werth einer Musik darnach ab, wie viel von ihr gezählt, berechnet, in Formeln gebracht werden könne - wie absurd wäre eine solche "wissenschaftliche" Abschätzung der Musik! Was hätte man von ihr begriffen, verstanden, erkannt! Nichts, geradezu Nichts von dem, was eigentlich an ihr "Musik" ist!...


Ver online : A GAIA CIÊNCIA