Ernildo Stein termina seu livro [1], assinalando que a fenomenologia transcendental de Edmund Husserl abriu o caminho para a progressiva constituição de uma nova ontologia a partir da filosofia moderna. A ontologia clássica não alcançou grande maturidade no questionamento da questão do ser. Este era considerado como algo evidente e universal , sempre subsumido na interrogação pelo ente finito , permanecendo de certo modo inefável e indefinível. Assim, a ontologia da tradição carecia de radicalidade, distraindo-se com o problema dos entes.. O pensamento moderno da subjetividade não foi capaz de reconstituir uma ontologia desde sua matriz inspiradora. Husserl com sua descoberta de intencionalidade e com a tematização do ente como de sua revelação, isto é, enquanto dado, descerrou o espaço para uma radical pesquisa ontológica". Diz, ainda, Stein "a teoria heideggeriana do ser depende, em sua explicitação, diretamente da descoberta de Husserl. Pouco ter-lhe-ia válido o conjunto de suas experiências, mesmo no que diz respeito ao problema da diferença ontológica inspirado em Lask, sem a ideia da redução e constituição da fenomenologia husserliana. Seria através dela que a filosofia moderna daria como fruto , na filosofia de Heidegger , uma nova ontologia" [2].
Abandonando, porém, o abstratismo de Husserl, Heidegger mostrou que a fenomenologia precisava de uma nova ontologia. Ele criticava Husserl em dois aspectos: a omissão do problema do ser daquele ente posto em parêntesis na redução e constituído na constituição e omissão do problema do ser daquele que personifica o homem . Heidegger pergunta então como se dá o ser do ente em geral e como se dá o ser do homem. Isto de início se resumiria na problemática daquele ente através do qual se abre qualquer possibilidade de espaço em que algo se dá. Este é a abertura originária do Ser-aí enquanto se compreende como ser, o que quer dizer, do Ser-aí enquanto Ser-no-mundo. No Ser-aí se abre a possibilidade de qualquer encontro. Esta é a palavra que substitui, em Heidegger, a expressão "imediatamente dado" de Husserl [3]. A diferença em tudo isso ficou em que Husserl permaneceu no Eu transcendental e Heidegger na temporalidade do mundo, onde o Ser-aí se projeta. Assim, a temática fenomenológica se situa, para Heidegger, da seguinte maneira:
1) O modo como se dão aos entes intramundanos não é a esfera do simplesmente objetivo;
2) O modo como se dá aquele que constitui e seu ser não podem ser pressupostos como objetivos;
3) Não basta perguntar pelos diversos modos como se dá o ente; o importante é perguntar como é possível o próprio dar-se. Como é possível que algo esteja descoberto? perguntará Heidegger. O fato de algo estar descoberto; manifesto e de poder ser encontrado se dá porque tudo o que encontramos é experimentado enquanto ente. Deste modo, a pergunta pelo sentido do ser e a pergunta pela abertura do Ser-aí coincidem. O sentido do Ser e a facticidade do ser-ai tornam-se questões inseparáveis. A questão do Ser residirá, então, para Heidegger na abertura do Ser-aí e na revelação do ente" [4].
Observa, ainda, Stein, que a obra de Heidegger em Ser e Tempo mesmo inacabada, como o próprio filósofo afirma, foi o primeiro passo necessário para o projeto de superação da subjetividade pela radicalização e adentramento na metafísica ocidental. A continuação desta mesma tarefa constitui os elementos modais da obra do segundo Heidegger. A interpretação das obras posteriores que não levasse em conta os resultados da analítica existencial só levaria a equívocos. Até os últimos trabalhos a questão do sentido do ser se impõe como determinante e a estrutura binária do método fenomenológico-hermenêutico comanda todas as análises" [5].
Diz, ainda, Stein : "Um dos últimos textos em que o filósofo expõe de maneira coerente e global sua visão do fim da filosofia e da tarefa que resta para o pensamento é apresentado de maneira reveladora: "O texto que segue faz parte de um contexto maior. E a tentativa sempre repetida desde 1930, de dar uma forma mais radical ao questionamento de Ser e Tempo. Isto significa submeter o ponto de partida da questão em Ser e Tempo a uma crítica imanente. Através disto deve esclarecer-se em que medida a questão crítica que pergunta pela questão do pensamento pertence necessariamente e constantemente ao pensamento. Em consequência disto se modificarão o título da tarefa Ser e Tempo. E no fim da análise Heidegger pergunta: Seria a expressão para a tarefa do pensamento em vez de Ser e Tempo Clareira e Presença? (Sein und Zeit: Lichtung und Anwesenheit).
A nova teoria do ser, conclui Stein, que no segundo Heidegger conduz à própria supressão do termo "ser", recorre a nomes cada vez mais descomprometidos com a onto-teologia, para reduzir os riscos da subjetividade. O que Heidegger pensa com a palavra "clareira" não foi efetivamente tematizado por nenhuma ontologia; na medida em que ser é pensado como clareira, o que a ontologia visa constituir coincide com a radicalização da fenomenologia; o einai coincide com o phainestai.