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Schopenhauer (MVR2:605-606) – a morte

terça-feira 14 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

A morte é a grande correção que a Vontade de vida, e o egoísmo essencial a esta, recebem durante o curso da natureza; morte que pode ser concebida como uma punição para a nossa existência; é o desatar doloroso do nó que a procriação amarrou com volúpia e é a destruição violenta, vinda de fora, do erro fundamental de nosso ser: é a grande desilusão. No fundo somos algo que não deveria ser: por isso cessamos de ser. — O egoísmo consiste em verdade no fato de que o ser humano limita toda a realidade à sua pessoa, pois se imagina existir apenas nesta pessoa, não nas outras. A morte o ensina algo de melhor, na medida em que suprime essa pessoa, de modo que a essência do humano, que é a sua vontade, não existirá doravante senão nos outros indivíduos, enquanto o seu intelecto, que pertencia ele mesmo apenas à aparência, isto é, ao mundo como representação, e era só a forma do mundo exterior, continuará a existir como ser-representação, isto é, no ser OBJETIVO das coisas ENQUANTO TAIS, portanto, só na existência daquilo que até então foi o mundo exterior. Todo o seu eu, por conseguinte, doravante vive apenas naquilo que ele até então considerava como não-eu, já que cessa a diferença entre exterior e interior. Recordemos aqui que o humano melhor é aquele que faz a mínima diferença entre si e os outros e não os considera como não-eu absoluto, enquanto para o humano mau essa diferença é grande e mesmo absoluta; — como o demonstrei no ensaio de concurso Sobre o fundamento da moral. E conforme essa diferença que se determina, de acordo com o exposto acima, o grau com que a morte pode ser vista como a aniquilação de um humano. — Mas se partirmos do princípio de que a diferença entre o que é exterior a mim e o que é interior em mim, enquanto espacial, reside apenas na aparência, não na coisa em si, e que, portanto, não é absolutamente real, então veremos na perda da própria individualidade apenas a perda de uma aparência, portanto, apenas uma perda ilusória. Por mais realidade que tenha essa diferença na consciência empírica, ainda assim, do ponto de vista metafísico, as sentenças: “eu pereço, mas o mundo perdura” e “o mundo perece, mas eu perduro” não são no fundo verdadeiramente diversas.


Ver online : Arthur Schopenhauer


[SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Segundo Tomo. Suplementos aos quatro livros do primeiro tomo. Tradução, Apresentação, Notas e índices Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015, p. 605-606]