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Schopenhauer (MVR1:201-202) – motivos

terça-feira 14 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Os motivos não determinam o caráter do homem, mas tão-somente o fenômeno desse caráter, logo as ações e atitudes, a feição exterior de seu decurso de vida, não sua significação íntima e conteúdo: estes últimos procedem do caráter, que é fenômeno imediato da Vontade, portanto sem-fundamento. Que um seja mau e outro bom, isso não depende de motivos e influências exteriores, como doutrinas e sermões; nesse sentido, o caráter é algo absolutamente inexplicável. Porém, se um malvado mostra sua maldade em injustiças diminutas, intrigas covardes, velhacarias sórdidas que ele exerce no círculo estreito de seu ambiente, ou se ele, como um conquistador, oprime povos, faz um mundo ajoelhar-se em penúrias, derramando o sangue de milhões — isso é a forma exterior de seu fenômeno, o inessencial dele, dependente das circunstâncias nas quais o destino o colocou, dependente do ambiente e das influências exteriores dos motivos. Contudo, jamais sua decisão em virtude de tais motivos é explicável a partir deles; pois essa decisão procede da Vontade, cujo fenômeno é este homem. Mais sobre isso no quarto livro desta obra. A maneira como o caráter desdobra suas propriedades é inteiramente comparável à maneira como os corpos da natureza destituída de conhecimento mostram as suas propriedades. A água permanece água, com suas propriedades intrínsecas, seja num lago plácido a espelhar as margens, seja saltando em espumas quando se choca contra as rochas, ou ainda sendo artificialmente impelida para o alto num jato em forma de arco. Tudo isso depende de causas exteriores. Uma coisa lhe é tão natural quanto a outra. No entanto, mostra-se desta ou daquela maneira de acordo com as circunstâncias, igualmente pronta para tudo, todavia fiel em cada caso ao seu caráter e sempre manifestando apenas a este. É assim que todo caráter humano também se manifestará em todas as circunstâncias, mas os fenômenos que daí procedem variarão segundo as circunstâncias.


Ver online : O Mundo como Vontade e como Representação Tomo I