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Safranski (SB:379-380) – a vontade em Schopenhauer

terça-feira 14 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

A “filosofia da reflexão”, que desenvolvia a totalidade da vida humana e da natureza a partir das estruturas identificadas no espírito, iniciada por Fichte   e chegando até Hegel com intensidade crescente, havia atribuído ao processo histórico a tarefa de levar o espírito a descobrir-se a si mesmo. A história humana foi interpretada como a realização da verdade: o caminho do espírito, seu avanço ininterrupto, que se distancia através do encadeamento contínuo das imagens e configurações de suas realizações sucessivas até se reencontrar novamente em um nível superior mediante o trabalho dos conceitos e o labor da história, ascendendo incessantemente de um patamar a outro. Os eventos da história eram interpretados deste modo como momentos progressivos de processos históricos determinados; estes somente podiam ser entendidos por empatia, mediante uma espécie de revelação, com seu próprio significado e captados em um momento de autoapropriação. Schopenhauer   posicionou-se de forma diametralmente oposta com relação a esta ideologia; seu pressuposto era tão distante deste quanto possível: a vontade, que se encontra na base de tudo, não é absolutamente um espírito em processo de autorrealização, porém um impulso cego, incessante, sem meta e devorador de si mesmo, sem deixar transparecer através de si nenhum impulso diretor, nenhum pensamento deliberado, sem sequer apresentar o menor sentido. O real (Wirklich) não está regido pela razão, mas inteiramente dominado por esse tipo de “vontade”. Napoleão, o causador final de todas as grandes devastações provocadas sobre Dresden, a cidade tão amada por Schopenhauer, constituía para o filósofo um exemplo excelente dessa vontade, que se revelava destrutiva simplesmente por ser indiferente. “Na realidade, Bonaparte não é pior do que muitos homens, quiçá não seja pior do que a maioria. Ele apresenta esse grande Egoismus que é costumeiro e habitual à maioria das pessoas, ou seja, o de buscar o próprio bem à custa dos demais. O que o distinguiu foi somente a maior força de que dispôs a fim de alcançar a satisfação dessa vontade. [...] O fato de que possuísse uma força assim incomum permitiu que manifestasse toda a maldade da vontade humana; e os sofrimentos que acarretou à sua época são apenas a outra face necessária da moeda, manifestando igualmente toda a desolação a que esta indissoluvelmente ligada a vontade maligna, da qual o mundo é a manifestação total e irrestrita.” [1]


Ver online : Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia


[1Frühe Manuskripte, p. 202. (NA).