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Schopenhauer (MVR2:519-520) – tragédia

terça-feira 14 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Nosso prazer na tragédia não pertence ao sentimento do belo, mas ao do sublime; sim, é o grau mais elevado desse sentimento. Pois assim como pela visão do sublime na natureza desviamo-nos do interesse da vontade para nos comportarmos de maneira puramente contemplativa, assim também na catástrofe trágica desviamo-nos da Vontade de vida mesma. De fato, na tragédia, o lado terrível da vida nos é apresentado, a miséria da humanidade, o império do acaso e do erro, a queda do justo, o triunfo do mau; portanto, é-nos trazido diante dos olhos a índole do mundo que contraria diretamente a nossa vontade. Perante tal visão nos sentimos instados a desviar-nos da nossa Vontade de vida, a não mais querer e amar a vida. Mas precisamente desse modo damo-nos conta de que ainda resta algo outro em nós que não podemos de forma alguma conhecer positiva, mas apenas negativamente como aquilo que NÃO quer a vida. Assim como o acorde de sétima exige o acorde fundamental, assim como a cor vermelha exige a verde e até mesmo a produz nos olhos; também toda tragédia exige um tipo de existência totalmente diferente, um outro mundo cujo conhecimento só nos pode ser dado de maneira indireta, como precisamente aqui no caso da tragédia. No instante da catástrofe trágica é-nos mais distinta que nunca a convicção de que a vida é um pesadelo do qual [II 494] temos de acordar. Neste sentido, o efeito da tragédia é análogo àquele do sublime dinâmico, pois, como neste, eleva-nos por sobre a vontade e o seu interesse e dispõe o nosso ânimo de tal forma que encontramos satisfação na vista daquilo que contradiz diretamente a vontade. O que confere a todo trágico, não importa a figura na qual apareça, a peculiar tendência à elevação é o brotar do conhecimento de que o mundo, a vida não pode proporcionar-nos prazer verdadeiro algum, portanto, nosso apego a ela não vale a pena: nisto consiste o espírito trágico: ele conduz por consequência à resignação.


Ver online : O mundo como vontade e como representação. Segundo Tomo.