Senhor Ninguém

Antonio Machado, Machado2002

“Monsieur Personne (Senhor Ninguém) à la cour”, esboço de uma comédia em três actos de Juan de Mairena

ACTO I

Cena única

Um Senhor Importante. Cláudio (seu criado).

S.I. — Diz-me, Cláudio, quem esteve aqui esta manhã?

C. — Alguém que andava à tua procura.

S.I. — Mas quem é que era?

C. — Era alguém.

S.I. — Ele não disse o seu nome?

C. — Em que é que eu estava a pensar? Ele deu-me este cartão de visita.

S.I. — (Lendo) “José Maria Personne. Viajante comercial. (para Cláudio) Se ele voltar, deixem-no entrar.

(Cortina)

ATO II

Cena única

Senhor Importante. Cláudio.

S.I. — Sr. José Maria Ninguém voltou?

C. — Que eu saiba, não.

S.I. — Ninguém perguntou por mim?

C. — Ninguém.

S.I. — Ninguém?

C. — Ninguém.

(Cortina)

Ato III Cena única

Senhor Importante. Cláudio. Um espelho de casa de banho, que actua como indicado.

S.I. — Diz-me, Cláudio, o que é que se passa com este espelho?

C. — O que é que lhe acontece?

S.I. — Quando tento ver-me nele, ele faz uma inversão de marcha — vês? — e mostra-me as costas de madeira.

C. — É verdade. Que engraçado!

S.I. — Depois — olha — volta à sua posição normal, sem ninguém lhe tocar. Tenta ver tu mesmo.

C. — Está quieto! Não se mexe comigo, senhor. Agora tenta tu.

S.I. — Quieto! Outra vez! (furioso) Que raio de inferno!

C. — Isto é divertido!

S.I. — Maldição! (com voz rouca) Cláudio, quem é que esteve aqui esta manhã?

C. — O Sr. José Maria Personne veio cá esta manhã. Foi-se embora, cansado de esperar por ti, e disse que nunca mais voltava.