O ser humano (Irigaray)

Irigaray1999

Ao contrário da planta, o ser humano é um vivente sem raízes fixas. Um ser que caminha, é móvel. Que também se move em espírito. Diferentemente do animal? No espaço e no tempo, o ser humano se desloca. Isso possibilita adquirir alimento material e espiritual, mas também se perder, por vezes com risco da própria existência. O que pode então salvaguardar a existência num vivente parcialmente nômade em corpo e espírito? A respiração. O sopro é fonte e alimento da vida natural e espiritual para o ser humano. Cultivar a vida se reduz a preservar e educar a respiração, origem de uma existência autônoma, mas também da alma, entendida em seu sentido originário, como vivente.

O ser humano é feito de matéria mas também de sopro. Graças ao domínio da respiração, pode-se trazer um suplemento de vida ao corpo, modificando seu metabolismo, sua natureza, sua inércia. O humano pode transfigurá-lo, transubstanciá-lo, superar parte de sua pesadez. O ocidental geralmente negligenciou, quando não esqueceu, essa capacidade. Separando corpo e espírito, valorizou este último como resultado de uma palavra desencarnada, fazendo do corpo um veículo necessário mas incômodo durante a chamada existência terrena. A espiritualização do corpo e dos sentidos ainda não lhe apareceu como tarefa especificamente humana pela qual poderia transcender o estatuto material, superar sofrimento, solidão, doença e, de certo modo, a morte. O cultivo da respiração, da energia, mantém a vida e a saúde melhor que o abandono de um corpo-cadáver-animal à ciência médica e suas diversas intervenções. O progresso no domínio da respiração, do metabolismo físico e psíquico, também faz com que avançar em idade não equivalha necessariamente a declínio, como geralmente pensamos. O que nos leva a desprezar a sabedoria, entre outras a sabedoria carnal, dos anciãos e seus ensinamentos.

O ocidental sobretudo desconheceu e negligenciou o que me parece dever caracterizar sua espécie: a capacidade de entrar em relação com o outro sem reduzir essa relação à satisfação de instintos ou necessidades. O sujeito ocidental estagnou-se num momento de seu percurso. Tentou identificar-se pela diferenciação da mãe, que assimila à natureza. Muitas estratégias — filosóficas, religiosas, científicas — encontram sua causa e inspiração nesse processo frequentemente inconsciente e cego. Nesse esforço de diferenciação, o homem subestimou sua própria natureza e passou a outro tipo de indiferenciação: aquela com seus pares, grupo social, civilização. Daí a adesão a uma família natural ou espiritual, a uma nação, tradição que o impede de acolher o outro, o diferente, aquele ou aquela que lhe permanece estrangeiro. Daí também a perda do próximo no próprio, da proximidade na propriedade.

O ensino da natureza foi, em certo sentido, mais sábio. A humanidade é composta de dois humanos diferentes. No cultivo de sua relação encontra-se a chave para o florescimento da espécie. Esse cultivo leva cada um a se individualizar em relação ao que é vivido como indiferenciação primitiva, especialmente por parte do homem. No respeito aos dois, descobre-se também o remédio contra a recaída na indiferenciação grupal, inclusive familiar. Quanto à diferença sexual, onde nasce a atração, ela oferece a base para um comportamento especificamente humano. Em vez de a relação homem-mulher ser determinada pela imediatez do instinto, a transformação do instinto em desejo poderia marcar a passagem à humanidade como tal. A atração entre os sexos torna-se então fonte de energia e criação não apenas natural mas cultural, fruto da vontade e liberdade de dois humanos.

A capacidade de entrar em relação com um outro (homem ou mulher) diferente de si no respeito à(s) diferença(s) é, para mim, o que permite constituir uma subjetividade propriamente humana. Nem a linguagem como instrumento de apropriação e informação, nem a capacidade de controle sobre o que é e eficácia na intervenção sobre o real são específicas do humano. Mas o negativo, o recuo, a escuta e o silêncio, a necessária alternância entre fazer e deixar ser, consigo e com o outro, na relação a um sujeito diferente, são talvez seu sinal irrevogável.

Nesse caminho, pouco avançamos. Ele guarda para nós fontes de energia, palavra e sabedoria que ainda desconhecemos. Representa sem dúvida um lugar a partir do qual retomar e prosseguir o devir humano. Não como ato e segundo a vontade de um só sujeito, mas a partir do horizonte aberto pelo reconhecimento da existência de dois sujeitos diferentes que trabalham na construção de pontes entre si salvaguardando suas singularidades.