“O que é real?”

(Ray Brassier, BSHST)

  1. A pergunta “O que é real?” situa-se na encruzilhada entre metafísica e epistemologia. Mais precisamente, ela marca o ponto de junção entre metafísica e epistemologia com o selo da representação conceitual.
  2. A metafísica, entendida como a investigação sobre o que há, cruza-se com a epistemologia, entendida como a investigação sobre como sabemos o que há. Essa intersecção entre conhecer e ser é articulada por meio de uma teoria da concepção que explica como o pensamento ganha tração sobre o ser.
  3. Que a articulação entre pensamento e ser é necessariamente conceitual decorre da injunção crítica que descarta qualquer recurso à doutrina de uma harmonia pré-estabelecida entre realidade e idealidade. O pensamento não tem acesso garantido ao ser; o ser não é inerentemente pensável. Não há ingresso cognitivo ao real senão através do conceito. No entanto, o real em si não deve ser confundido com os conceitos pelos quais o conhecemos. O problema fundamental da filosofia é entender como reconciliar essas duas afirmações.
  4. Acessamos a estrutura da realidade por meio de uma maquinaria de concepção que extrai índices inteligíveis de um mundo que não foi projetado para ser inteligível e não está originariamente imbuído de significado. O significado é uma função da concepção, e a concepção envolve representação — embora isso não signifique que a representação conceitual possa ser interpretada em termos de mapeamentos entre palavra e mundo. Cabe à racionalidade conceitual forjar a ponte explicativa entre pensamento e ser.
  5. Assim, a exploração metafísica da estrutura do ser só pode ser realizada em conjunto com uma investigação epistemológica sobre a natureza da concepção. Pois não podemos entender o que é real sem entender o que “o que” significa, e não podemos entender o que “o que” significa sem entender o que “significa” é, mas não podemos esperar entender o que “significa” é sem entender o que “é” significa.
  6. Heidegger sabia disso. 1 No entanto, ao contrário de Heidegger, não evocaremos um círculo virtuoso de interpretação ontológica a partir da circularidade necessária de nossa compreensão pré-ontológica de como as coisas podem ser ditas como são. A investigação metafísica do ser não pode ser reduzida a uma interpretação hermenêutica do ser do investigador e das diferentes maneiras pelas quais este entende as coisas como sendo. Embora a investigação metafísica não possa ser dissociada da indagação sobre o que é significado, o objetivo desta é alcançar uma delimitação metafísica do domínio do sentido que evite a equivocação fenomenológica entre significado e ser.
  7. Se quisermos evitar reduzir a investigação do ser à interpretação do significado, devemos alcançar uma compreensão adequada do que significa algo ser independentemente de nossa concepção, compreensão e interpretação de seu ser. Mas isso só será alcançado quando tivermos um domínio firme sobre as origens, o alcance e os limites de nossa capacidade de conceber, compreender e interpretar o que as coisas são.
  1. Cf. Martin HeideggerSer e Tempo, trad. J. Macquarrie e E. Robinson, Oxford, Blackwell, 1962, “Introdução”.[]