Markus Grabriel (NE) – assimetria ontológica pós-cartesiana

MGabrielNE

É uma suposição generalizada na cultura científica contemporânea que a existência de objetos mentais se apoia em bases muito frágeis. Em contraste, os objetos físicos são considerados existentes além de qualquer dúvida razoável. Chamemos a isso a assimetria ontológica pós-cartesiana. Enquanto Descartes, como muitos de seus predecessores, argumentou descaradamente pela assimetria inversa, alegando não apenas que a mente é mais conhecida (para a mente) do que qualquer outro objeto, mas que também desfruta de um modo privilegiado de existência (sendo ontologicamente mais próxima de Deus do que da substância material), a ordem do universo ontológico foi subsequentemente invertida. Seja como for, o que nos daria o direito de continuar a acreditar na assimetria ontológica? Existem razões mais profundas para privilegiar objetos físicos ou mentais na melhor descrição do que existe?

Grosseiramente, em nossa era científica, poder-se-ia começar a expressar as preferências pós-cartesianas apontando que, embora evidentemente existam rochas, bactérias, paramécios e unhas, Fausto, Macbeth e a Fonte da Juventude claramente não existem, independentemente do fato de existirem várias práticas discursivas (“jogos de linguagem”) que nos permitem engajar em um jogo de faz de conta envolvendo a fala sobre esse tipo de coisa. Essas coisas são tipicamente chamadas de “fictícias”, o que significa que “são indivíduos introduzidos pela primeira vez em uma obra de ficção” (Brock e Everett 2015: 3). Elas dependem da mente para sua existência de uma forma que as rochas não dependem. É quase trivial que Macbeth não teria existido se não houvesse mentes, e aqueles que sustentam a visão conhecida como “irrealismo ficcional” negam que ele exista de fato, às vezes com o argumento de que, se tivesse existido, teria sido uma mera invenção da imaginação e, nesse sentido, nada que pudesse ser considerado algo realmente existente.

Nesse contexto, é tentador agrupar a própria mente com objetos ficcionais na medida em que as razões para conceder a estes últimos um status ontológico reduzido (se houver) são equivalentes às razões para negar-lhes a independência da mente. Se a mente fosse dependente da mente da mesma forma que a Fonte da Juventude, em um arcabouço ontológico que privilegia a independência da mente em nossa descrição do que existe, teríamos razões para rebaixar a mente como um todo.

Argumentavelmente, neste ponto, um representante típico da cultura científica contemporânea argumentará que a mente não é dependente da mente da mesma forma que a Fonte da Juventude, pois a mente pode, em última instância, ser identificada com um objeto físico: o cérebro. Apesar das complexidades de descobrir exatamente como dar sentido a tal afirmação de identidade, dadas, entre outras coisas, a aparente assimetria epistemológica de mente e cérebro, o cientista moderno estereotípico esperará que a impressão de que existe uma distinção real no nível da aparente assimetria epistemológica desapareça mais cedo ou mais tarde, à medida que a ciência avança em relação à mente. Quanto melhor realmente conhecemos o cérebro, mais seguro parecerá identificar mente e cérebro e minar nossas “intuições” cartesianas, nossa impressão de que a mente difere substancialmente do cérebro.

[…] pressionarei todo o arcabouço que dá origem a esse ramo da visão de mundo científica moderna. Em particular, esboçarei uma posição que chamo de “Neoexistencialismo”. O Neoexistencialismo é a visão de que não existe um único fenômeno ou realidade correspondente ao termo guarda-chuva, em última instância, muito confuso, “a mente”. Em vez disso, os fenômenos tipicamente agrupados sob essa rubrica estão localizados em um espectro que varia do obviamente físico ao não-existente. No entanto, o que unifica os vários fenômenos subsumidos sob o conceito confuso de “a mente”, afinal, é que todos eles são consequências da tentativa do ser humano de se distinguir tanto do universo puramente físico quanto do restante do reino animal. Ao fazer isso, nosso autorretrato como criaturas especificamente dotadas de mente evoluiu à luz de nossas igualmente variadas concepções do que é existir para seres não-humanos.

O princípio fundamental do Neoexistencialismo é que não existe uma única entidade no mundo selecionada pelo nosso vocabulário mentalista diferenciado diacrônica e sincronicamente, nada que seja consciente, autoconsciente, ciente de si mesmo, neurótico, um processador de estados qualitativos, vigilante, inteligente, etc. O que unifica nosso vocabulário mentalista é a capacidade de produzir novos itens na lista de descrições do que não é meramente se misturar com um mundo repleto de objetos inanimados regidos por leis físicas da natureza, por um lado, e animais impulsionados por parâmetros biológicos, por outro.

Nosso autorretrato como seres “mentalizados” está em vigor para nos ajudar a entender o fato de que não pertencemos ao domínio do que meramente existe de forma anônima, por assim dizer. Não somos exatamente como rochas nem exatamente como um besouro deitado sobre uma rocha. Nossa concepção de nós mesmos como seres mentalizados foi forjada ao longo de milênios de história, nos quais era dado como certo que, o que quer que nos distinguisse do restante do que existe, só poderia ser explicado em termos mentalistas. Essa estrutura é o terreno fértil da própria noção de ser humano, a noção sem a qual não estaríamos em posição de nos perguntar qual poderia ser a relação entre a mente e a natureza não mental.

Ao longo da história documentada conhecida, a humanidade desenvolveu explicações altamente nuançadas do que nos distingue da natureza inanimada e animal. Em minha visão, esta é a verdadeira fonte por trás do que Huw Price apropriadamente chamou de “questão do posicionamento” (Price 2011: 187–8). Para colocar esse problema da forma mais direta possível, ele surge da pergunta sobre como a mente – isto é, os múltiplos objetos, se houver, selecionados por nosso vocabulário mentalista – se encaixa na ordem puramente natural.