(JLVB1979)
Hamann é a origem tanto da interpretação espiritual dos diálogos [platônicos] quanto do irracionalismo religioso dos românticos e idealistas. É verdade que suas obras de inspiração platônica são anteriores a 1770: Memorabilia Socráticas foi publicado em 1759 e As Nuvens em 1761. Mas são obras célebres e originais, que contribuíram para o renascimento de Platão — ainda que a ferrenha originalidade de Hamann o torne o pensador mais independente de seu tempo, e também o mais difícil de classificar.
O Sócrates de Hamann: um precursor rebelde
A figura de Sócrates fascinou Hamann, que nela via uma espécie de precursor de sua própria vida e filosofia errantes. Ele busca libertar Sócrates de qualquer rótulo:
- Não é um galante de espírito francês,
- Nem um pietista,
- Nem um racionalista.
Também não devemos fazer dele um precursor de Cristo ou um herói moral, mas tomá-lo em sua totalidade, como é. Hamann propõe uma biografia socrática “empática e congenial”.
As duas máximas fundamentais
O que Hamann destaca são as duas máximas socráticas:
- “Conhece-te a ti mesmo” (γνώθι σεαύτον),
- “Só sei que nada sei”.
Para ele, a nesciência (o não-saber) é um fim supremo:
- Saber que não se sabe é romper com a tradição que faz do homem senhor de seu conhecimento.
- Mas a nesciência tem um sentido mais profundo: é ouvir a voz de Deus que fala em cada um.
Esse é o verdadeiro uso da razão — pecadora, mas redimida pelo sentimento de dependência em relação a Deus.
Fé, entusiasmo e o “daimon” socrático
- A nesciência não é ceticismo, pois “a fé não é obra da razão”.
- É, antes, o grau mais alto da autoconsciência, ligado diretamente ao γνώθι σεαύτον — que Hamann chama de Empfindung (experiência afetiva de si mesmo), pela qual o homem transcende o intelecto num salto para a fé.
Esse Sócrates irracionalista ganha compleição com a análise do daimon socrático e do entusiasmo:
- O daimon é a representação sensível do gênio individual.
- O homem se torna receptáculo do gênio quando reconhece que nada sabe e se entrega à fé.
- Pela autoconsciência suprema, a alma se abre ao divino — uma nostalgia fundamental que o entusiasmo vem preencher.
Esse entusiasmo não é delírio místico, mas a habitação de Deus no homem, pela virtude autêntica que Sócrates exemplificou.
Um socratismo pessoal
Assim é o socratismo de Hamann — não desprovido de platonismo, pois ele era um erudito de primeira ordem. No entanto, sua identificação pessoal com Sócrates limita sua interpretação ao alcance de uma mensagem íntima.