Hadot (PHCI) – Lembranças de leituras filosóficas

PHCI

Algumas citações de filósofos aparecem ocasionalmente nas Meditações. É possível que Marco Aurélio tenha lido alguns desses autores, mas ele também pode tê-los encontrado ao longo de suas leituras estoicas.

Heráclito, por exemplo, era aos olhos dos estoicos o grande ancestral. Vários textos do filósofo de Éfeso aparecem nas Meditações, mas é difícil distinguir os textos autênticos das paráfrases que o imperador dá, talvez porque os cite de memória. É possível que a alusão às “pessoas que falam e agem dormindo”, ou seja, que vivem na inconsciência (IV,46,4), seja apenas um desenvolvimento do primeiro fragmento de Heráclito, que também aludia a essa inconsciência da maioria dos homens, análoga a um sono.

Esse tema do sono da inconsciência, em todo caso, impressionou Marco Aurélio. Não apenas ele talvez aluda ao fragmento de Heráclito que evoca aquele que, bêbado, não sabe mais para onde vai: “aquele que esquece por onde vai o caminho” (ou então: “para onde vai o caminho”), como diz Marco Aurélio (IV,46,2), mas sobretudo ele afirma, sempre inspirando-se em Heráclito, que os adormecidos e os inconscientes também colaboram, à sua maneira, na obra do mundo e ele tira a conclusão (VI,42,1):

“Todos trabalhamos juntos para o aperfeiçoamento de uma única obra, uns, sabendo-o, tendo consciência disso, outros, sem o saber.”

Cada um colabora, portanto, mesmo se opondo à vontade da Razão universal. Pois o curso da Natureza também precisa daqueles que se recusam a segui-lo. A Natureza, de fato, integrou em seu plano a liberdade e tudo o que ela implica, ou seja, também a inconsciência ou a resistência. No drama que a Natureza encena, ela precisa precisamente prever adormecidos ou oponentes.

Mas para esses adormecidos, esses inconscientes, que estão “em discórdia com o logos” (IV,46,3), “o que eles encontram a cada dia parece estranho” (IV,46,3). Esse outro tema heracliteano podia ser ainda mais caro a Marco Aurélio, pois ele atribuía uma importância capital à noção de “familiaridade” com a Natureza, portanto com o logos, familiaridade que permite precisamente reconhecer como familiares, como naturais, e não como estranhos, todos os eventos que acontecem pela vontade da Natureza (III,2,6).

A morte dos elementos uns nos outros, tema eminentemente heracliteano, não podia deixar de prender também a atenção do imperador (IV,46,1), que o estoicismo havia habituado a meditar sobre a universal metamorfose.

Ao lado de Heráclito aparece Empédocles, de quem um verso é citado (XII,3). Isso se deve ao fato de que o Sphairos “de orbe puro” imaginado pelo poeta-filósofo era tradicionalmente o modelo do sábio.

Marco Aurélio cita e critica (IV,24), sem nomear seu autor, um fragmento de Demócrito que aconselha a não se envolver em muitos assuntos se quiser manter a tranquilidade da alma. Era de fato uma tradição entre os autores, notadamente estoicos, que tratavam dessa virtude, recusar essa incitação democritiana à inação.

É na coletânea intitulada “Sentenças de Demócrito” e às vezes atribuída a Demócrito que Marco Aurélio (IV,3,11) encontra um aforismo que resume de certa forma seu próprio pensamento: “O mundo é apenas metamorfose (alloiôsis), a vida é apenas uma opinião (ou um julgamento: hypolépsis).” Nesta última fórmula ele certamente reconhecia a ideia de Epicteto segundo a qual não são as coisas que nos perturbam, mas as representações, os julgamentos que emitimos a seu respeito (Manual, § 5).

Marco Aurélio também critica (VII,31,4) outro texto de Demócrito, que afirmava que a verdadeira realidade eram os átomos e o vazio, e que todo o resto era apenas “por convenção” (nomisti). Isso significava, como explica Galeno, que “em si”, só há átomos, mas que, “em relação a nós”, há todo um mundo de cores, de cheiros, de gostos que acreditamos real, mas que é apenas subjetivo. Marco Aurélio corrige a fórmula democritiana, interpretando-a em um sentido estoico. Ele recusa essa infinidade de átomos que seriam os únicos princípios reais, mas ele admite a palavra nomisti, contanto que seja compreendida, não no sentido de “por convenção”, mas no sentido de “por uma lei”. Para Marco Aurélio, apenas a metade da fórmula de Demócrito é verdadeira: “Tudo é nomisti.” Mas ela significa: “Tudo se produz pela lei”, a lei da Natureza universal. Nesse caso, a outra parte da fórmula de Demócrito: a verdadeira realidade é a multiplicidade dos átomos que são os princípios, é falsa. Pois se tudo é pela lei da Natureza, o número dos princípios é bastante restrito. Ele se reduz a um, o logos, ou a dois, o logos e a matéria. Essa é uma das interpretações desse texto de Marco Aurélio, muito difícil e provavelmente corrompido. Poderíamos também admitir que Marco Aurélio compreende: “Tudo é nomisti“, no mesmo sentido da sentença de Demócrates citada acima: “Tudo é subjetivo, ou seja, tudo é julgamento”, ou seja, à luz da ideia de Epicteto segundo a qual tudo está em nossa representação. O que não quer dizer que não conhecemos a realidade, mas que lhe atribuímos subjetivamente valores (de bem ou de mal) que não se fundam na realidade.

É essa última doutrina que Marco Aurélio crê reconhecer também na fórmula de um cínico (II,15):

“Que tudo é uma questão de julgamento. Sem dúvida, o que se opunha ao que dizia o cínico Mônimo é evidente. Mas evidente também a utilidade do que ele dizia, contanto que se receba o que há de proveitoso no que ele dizia, permanecendo nos limites do que é verdadeiro.”

Segundo o cômico Menandro, esse cínico declarava que toda opinião humana (to hypoléphthen) é apenas vaidade (tuphos). Marco Aurélio pensa ir ao fundo da verdade da fórmula citada por Menandro: finalmente, tudo é apenas uma questão de opinião; são nossos julgamentos de valor que nos perturbam, e eles são apenas vaidade (tuphos).

Normalmente, de fato, é precisamente, como quer Mônimo, a vaidade, o tuphos no sentido de “vazio”, de “fumaça”, mas também de “orgulho”, que perverte nossos julgamentos de valor (VI,13):

“É um sofista terrível o orgulho: é no momento em que pensas dedicar-te às coisas sérias que ele mais te enfeitiça. Vê o que Crates diz a respeito de um homem como Xenócrates.”

Os platônicos, como Xenócrates, tinham na Antiguidade a reputação de serem vaidosos, orgulhosos e cheios de arrogância. Não é, portanto, de admirar que Crates, um cínico como Mônimo, o reproche por seu tuphos, sua vaidade inflada.

Marco Aurélio sem dúvida conheceu, direta ou indiretamente, outros textos cínicos – teremos a ocasião de falar novamente sobre isso –, e isso não é de espantar, pois, por um lado, cinismo e estoicismo eram muito próximos um do outro em sua concepção de vida, e, por outro lado, como vimos no caso de Demócrito e Mônimo, o imperador-filósofo tinha a arte de reencontrar uma doutrina estoica nos textos que lhe chamavam a atenção.

Encontram-se também nas Meditações vários textos de Platão, extraídos da Apologia (28b e 28d), do Górgias (512d-e), da República (486a) e do Teeteto (174d-e). Aqui novamente, nada de surpreendente, pois é, de certa forma, o Platão “pré-estoico” que Marco Aurélio cita, aquele que faz Sócrates falar de uma maneira que os estoicos não teriam negado. A questão importante não é a vida ou a morte, mas a justiça ou a injustiça, o bem ou o mal (VII,44); é preciso permanecer no posto que nos foi designado (VII,45); não se trata de salvar a vida, mas de passá-la da maneira mais digna possível (VII,46); o homem que abrange com o olhar a totalidade do tempo e da substância não teme a morte (VII,35). Enfim, ele encontra no Teeteto (174d-e) uma descrição da situação difícil do rei, privado de lazer para pensar e filosofar, como um pastor trancado com seu rebanho “em um pasto em plena montanha” (X,23). É o estoicismo e não o platonismo que Marco Aurélio reconhecia em todas essas citações.

Marco Aurélio leu, de Teofrasto, o aluno de Aristóteles, um texto ao qual ele é o único na Antiguidade a fazer alusão e essa passagem provavelmente interessou nele o juiz, encarregado de apreciar a culpabilidade, pois ela levanta o problema dos graus de responsabilidade. Segundo Teofrasto, as faltas cometidas com prazer e por atração do prazer são mais graves do que aquelas às quais se é constrangido pelo sofrimento que a injustiça sofrida provoca em nós e que nos impele à cólera. Marco Aurélio aprova essa teoria (II,10). Às vezes se disse que ele assim era infiel ao estoicismo, já que este considerava todas as faltas como iguais. É verdade que os estoicos consideravam a sabedoria como uma perfeição absoluta: a menor falta, portanto, a afastava tanto quanto a maior: ou se era sábio ou não se era sábio, não importa como. Em princípio, portanto, não havia faltas mais ou menos graves. Mas os estoicos admitiam, no entanto, a possibilidade de um progresso moral dentro da não-sabedoria, e consequentemente graus nesse progresso moral. Podia-se, portanto, admitir também, nesse estado de não-sabedoria, diferentes graus de gravidade das faltas. Epicteto, aliás, também parece considerar que certas faltas são mais perdoáveis do que outras (IV,1,147): a paixão amorosa, por exemplo, mais do que a ambição.

Marco Aurélio também evoca os “pitagóricos” que prescreviam levantar os olhos para o céu ao amanhecer a fim de se recordar esse modelo de ordem e pureza que são os astros (XI,27).

Encontram-se também nas Meditações textos de Epicuro ou máximas epicuristas. Marco Aurélio, que os cita reescrevendo-os em vocabulário estoico, retira deles conselhos que um estoico pode legitimamente praticar: ser feliz com o presente sem lamentar o que não temos e poderíamos ter (VII,27); a dor não pode ser ao mesmo tempo insuportável e eterna (VII,33 e VII,64); ter sempre diante dos olhos as virtudes dos antigos (XI,26); em toda circunstância, permanecer no plano da filosofia, sem se deixar levar a compartilhar o ponto de vista antropomórfico daqueles que não praticam a filosofia (IX,41). O comentário que Marco Aurélio faz deste último texto, que é uma carta de Epicuro escrita durante uma doença ou no dia de sua morte, permite-nos compreender como estoicos, como Sêneca ou Epicteto, podiam beber do epicurismo máximas que alimentavam sua própria meditação. Não devemos imaginar que eram ecléticos e não estoicos convictos. Sabiam muito bem que havia uma oposição radical entre a doutrina estoica e a doutrina epicurista, assim como entre a atitude prática estoica e a atitude prática epicurista. Mas sabiam também que epicurismo, estoicismo, platonismo, aristotelismo eram apenas formas diferentes e opostas de um mesmo modo de vida, o modo de vida filosófico, dentro do qual podia haver pontos em comum a várias escolas ou mesmo a todas as escolas, como diz Marco Aurélio precisamente a propósito da carta de Epicuro (IX,41):

“É comum a todas as escolas não se desviar da filosofia em qualquer circunstância e não se deixar levar pelo falatório do profano, daquele que não pratica a ciência da Natureza.”

Estoicos e epicuristas tinham em comum, especialmente, uma certa atitude em relação ao tempo, uma concentração no presente que permite, ao mesmo tempo, apreender o valor incomparável do instante presente e diminuir a intensidade da dor ao tomar consciência do fato de que só a sentimos, só a vivemos no instante presente.

Finalmente, Marco Aurélio, portanto, leu como um estoico os textos dos filósofos que cita, ele os leu como um discípulo de Epicteto. Pois é, antes de tudo, a leitura de Epicteto, o conhecimento do ensinamento de Epicteto que explica as Meditações.

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