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Os Pensamentos não se contentam em formular as regras de vida e os dogmas dos quais se alimentam. Não é apenas a razão que se exercita nelas, mas também a imaginação, quando Marco Aurélio não se limita a dizer que a vida é breve e que em breve será necessário morrer devido à lei da metamorfose imposta pela Natureza, mas faz reviver diante dos seus olhos (VIII, 31)
“a corte de Augusto, sua esposa, sua filha, seus descendentes, seus ascendentes, sua irmã, Agripa, seus parentes, seus familiares, seus amigos, Ário, Meceno, seus médicos, seus sacerdotes, a morte de toda uma corte…”
Não é apenas o desaparecimento de uma corte, é o de toda uma geração que ele tenta imaginar (IV,32):
“Imagine, por exemplo, a época de Vespasiano. Você verá tudo isso: pessoas que se casam, criam uma família, adoecem, morrem, fazem guerra, festejam, comercializam, trabalham nos campos, bajuladores, arrogantes, desconfiados, conspiradores, pessoas que desejam a morte dos outros, que murmuram contra os acontecimentos atuais, apaixonados, avarentos, outros que cobiçam o consulado ou a realeza. A vida deles, não é verdade, não existe mais em lugar nenhum!”
Ou ainda, Marco Aurélio pensa nos grandes homens do passado, Hipócrates, Alexandre, Pompeu, César, Augusto, Adriano, Heráclito, Demócrito, Sócrates, Eudoxo, Hiparco, Arquimedes. “Todos mortos há muito tempo!” (VI, 47). “Nada e em lugar nenhum!” (VIII, 5). Com isso, ele se insere na grande tradição literária que, de Lucrécio a François Villon 112, evocou os mortos famosos: “Mas onde estão as neves de outrora?” “Onde estão eles? Em lugar nenhum, em qualquer lugar!”, já havia dito Marco Aurélio (X,31,2).
Tais exercícios de imaginação aparecem com bastante frequência nos Pensamentos (IV,50; VI,24; VII,19,2; VII,48; VIII,25; VIII,37; IX,30; XII,27). Graças a eles, Marco Aurélio se esforça para colocar vigorosamente diante dos olhos o dogma da metamorfose universal.
Mas a própria vida é, de certa forma, uma morte, quando não é iluminada pela virtude, pela prática das regras de vida e pelo conhecimento dos dogmas que dão a ciência das coisas divinas e humanas. Isso explica as descrições da vaidade da vida humana, dignas de um cínico, que se encontram por vezes nos Pensamentos, como este texto extraordinário (VII,3):
“Vã solenidade de um cortejo festivo, dramas encenados no palco, reuniões de ovelhas e bovinos, combates com lanças, ossos jogados aos cães, pedaços de carne jogados na bacia dos peixes, trabalhos exaustivos e pesados fardos carregados pelas formigas, corridas de ratos enlouquecidos, marionetes puxadas por fios…”
Já encontramos também a breve, mas marcante anotação (X,9):
“Palhaçada e luta sangrenta; agitação e torpor; escravidão diária.”