Hadot (PHCI) – Escritura como exercício espiritual

PHCI

Constatamos ao longo destas análises que as Meditações se apresentam como variações sobre um pequeno número de temas. Isso resulta em muitas repetições, às vezes quase literais. Já encontramos vários exemplos e podemos adicionar mais alguns:

“Aquilo que não torna o homem pior, como poderia piorar a vida que ele leva?” (II,11,4).

“Aquilo que não torna o homem pior do que ele é, não piora sua vida…” (IV,8).

“Tudo é efêmero, aquilo que se lembra e aquilo de que se lembra” (IV,35).

“Efêmero… aquele que se lembra e aquele de quem se lembra” (VIII,21,2).

Nada é mais capaz de produzir a grandeza da alma” (III,11,2).

Nada é mais capaz de produzir a grandeza da alma” (X,11,1).

Haveria muitos outros, e até longos desenvolvimentos como, entre outros, VIII,34 e XI,8, que são ambos dedicados ao poder que o homem recebeu de Deus de se reunir novamente ao Todo do qual se separou, e que possuem estruturas totalmente paralelas.

Quase dez vezes, como vimos, reitera-se, com variantes muito leves, o conselho de distinguir em cada coisa “o que é causal” e “o que é material”. Reconhece-se aí uma das estruturas fundamentais da física estoica e, portanto, mais uma vez, o caráter técnico das fórmulas empregadas. Mas Marco Aurélio não repete apenas essa distinção como se reproduzisse um ensinamento aprendido na escola estoica. Essa distinção tem para ele um sentido existencial. Distinguir o elemento causal é reconhecer em si mesmo o princípio que dirige todo o ser (o hegemonikon), o princípio de pensamento e de julgamento que nos torna independentes do corpo, o princípio de liberdade que delimita a esfera do “que depende de nós”, em relação ao “que não depende de nós”. Isso, Marco Aurélio não o diz. Podemos apenas deduzi-lo do conjunto do sistema. Ele se contenta em recomendar a si mesmo que aplique essa distinção, sem nunca dar um exemplo que permita compreender o que significa esse exercício. É que ele não precisa de exemplo. Ele sabe do que se trata. Essas fórmulas, que se repetem de ponta a ponta nas Meditações, nunca expõem uma doutrina. Elas servem apenas de indutor que reativa, por associação de ideias, todo um conjunto de representações e de práticas que é inútil para Marco Aurélio, que escreve apenas para si mesmo, detalhar.

Marco Aurélio escreve apenas para ter sempre presentes em mente os dogmas e as regras de vida. Ao fazer isso, ele segue um conselho de Epicteto que, após expor o dogma fundamental do estoicismo, a distinção entre o que depende de nós e o que não depende de nós, acrescenta:

“É isso que os filósofos devem meditar, é isso que eles devem escrever todos os dias, que deve ser sua matéria de exercício” (I,1,25).

“Esses princípios, você deve tê-los à mão (procheira), noite e dia, você deve escrevê-los, você deve lê-los” (III,24,103).

Teremos que repetir: a vida filosófica estoica consiste essencialmente no domínio do discurso interior. Tudo, na vida do indivíduo, depende da maneira como ele representa as coisas, ou seja, como ele as diz a si mesmo interiormente. “O que nos perturba”, dizia Epicteto, “não são as coisas, mas nossos julgamentos sobre as coisas” (Manual, § 5), ou seja, nosso discurso interior sobre as coisas. Os Discursos de Epicteto, reunidos por seu discípulo Arriano, dos quais teremos muito a falar novamente, mostram Epicteto conversando com seus ouvintes durante o curso de filosofia, e como diz Arriano em seu curto prefácio: “Quando ele falava, ele certamente não tinha outro desejo senão o de mover para o que há de melhor os pensamentos daqueles que o ouviam… quando Epicteto pronunciava essas palavras, aquele que o ouvia não podia deixar de experimentar o que esse homem queria que ele experimentasse.”

O objetivo das palavras de Epicteto é, portanto, modificar o discurso interior de seus ouvintes. A essa terapêutica da palavra que se exerce em diversas formas, graças a fórmulas impactantes e emocionantes, com a ajuda de raciocínios lógicos e técnicos, mas também de imagens sedutoras e persuasivas, corresponderá, então, uma terapêutica da escrita para si mesmo, que consistirá para Marco Aurélio, ao dirigir-se a si mesmo, em retomar os dogmas e as regras de ação, tais como foram enunciados por Epicteto, para assimilá-los, para que se tornem os princípios de seu discurso interior. É preciso, portanto, reativar incessantemente em si mesmo as “representações” (phantasiai), ou seja, os discursos que formulam os dogmas (VII,2).

Tais exercícios de escrita conduzem, portanto, necessariamente a repetições incansáveis. É isso que diferencia radicalmente as Meditações de qualquer outra obra. Os dogmas não são regras matemáticas recebidas de uma vez por todas e aplicadas mecanicamente. Eles devem se tornar, de certa forma, tomadas de consciência, intuições, emoções, experiências morais que têm a intensidade de uma experiência mística, de uma visão. Mas essa intensidade espiritual e afetiva se dissipa muito rapidamente. Para reavivá-la, não basta reler o que já foi escrito. As páginas escritas já estão mortas. As Meditações não são feitas para serem relidas. O que importa é formular novamente, é o ato de escrever, de falar consigo mesmo, no instante, em tal instante preciso, onde se precisa escrever; é também o ato de compor com o maior cuidado, de buscar a versão que, no momento, produzirá o maior efeito, à espera de murchar quase instantaneamente, mal escrita. Os caracteres traçados em um suporte não fixam nada. Tudo está na ação de escrever.

Assim se sucedem as novas tentativas de redação, as retomadas das mesmas fórmulas, as variações sem fim sobre os mesmos temas – os de Epicteto.

Trata-se de reatualizar, de reacender, de reavivar incessantemente um estado interior que corre o risco de adormecer e se extinguir. Sempre, novamente, trata-se de reordenar um discurso interior que se dispersa e se dilui na futilidade e na rotina.

Ao escrever suas Meditações, Marco Aurélio pratica, portanto, exercícios espirituais estoicos, ou seja, ele utiliza uma técnica, um processo, a escrita, para influenciar a si mesmo, para transformar seu discurso interior pela meditação dos dogmas e das regras de vida do estoicismo. Exercício de escrita diário, sempre renovado, sempre retomado, sempre a ser retomado, pois o verdadeiro filósofo é aquele que tem consciência de ainda não ter alcançado a sabedoria.

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