PHCI
“Você é uma pequena alma que carrega um cadáver, como disse Epicteto” (IV,41).
“Quando se dá um beijo a um filho, diz Epicteto, é preciso dizer interiormente: amanhã talvez você esteja morto…” (XI,34).
Estas são as duas citações explícitas de Epicteto que se encontram nas Meditações. O primeiro texto não se encontra nos quatro livros das Entrevistas de Epicteto relatadas por Arriano, que ainda possuímos, e chegou a Marco Aurélio, como já dissemos, por outra fonte. Essa “alma carregando um cadáver” reaparece também em IX,24, em uma das muitas descrições do estado de miséria em que se encontra a vida humana quando não está em conformidade com a Natureza e a Razão:
“Raivas infantis; jogos infantis! Almas que carregam cadáveres! Para que a cena da Evocação dos mortos esteja diante dos teus olhos de uma forma mais impressionante.”
Na outra citação de Epicteto (XI,34), podemos reconhecer um texto do livro III das Entrevistas (III,24,88).
Mas acontece frequentemente que Marco Aurélio relata passagens inteiras de Epicteto sem o citar. É, por exemplo, na forma que Epicteto lhe dá (I,28,4) que Marco Aurélio (VII,63) cita uma fórmula de Platão (República, 412e-413a): que encontramos na longa sequência de kephalaia contra a ira (XI,18,5).
“É involuntariamente que toda alma é privada da verdade”.
Epicteto aludia à teoria estoica do suicídio nesta passagem (I,25,18):
“Há fumaça na casa? Se não houver muita, eu fico; se houver muita, eu saio. Pois nunca se deve esquecer e ter sempre presente que a porta está aberta.”
Marco Aurélio ecoa-o (V,29,2):
“Fumaça? Eu vou embora!”
Epicteto recomenda ao seu discípulo (III,3,14):
“Assim que sair, pela manhã, diante de tudo o que vir, de tudo o que ouvir, faça uma análise, responda, como em uma argumentação por perguntas e respostas:
O que você viu? – Um homem bonito, uma mulher bonita.
Aplica então a regra (epage ton kanôna) [e pergunta a ti mesmo]: A beleza deles depende da vontade deles ou não?
– Não depende da vontade deles.
Rejeita-a.”
Marco Aurélio retoma a fórmula (V,22):
“O que não prejudica a cidade também não prejudica o cidadão. Sempre que você se imaginar prejudicado, aplique essa regra (repita seu kanôna).”
Nos dois casos, vemos uma posição teórica, um dogma (a distinção entre o que depende de nós e o que não depende; a identidade de interesses entre a cidade e o cidadão), apresentado como uma regra (kanôn) que deve ser aplicada a cada caso particular.
Todo o final do livro XI (cap. 33-39) parece ser um centão de textos de Epicteto. Em primeiro lugar, no cap. 34, Epicteto é citado explicitamente, como já dissemos. O cap. 33 também resume, de forma anônima, uma passagem do livro III das Entrevistas (III,24,86) e os caps. 35-36 citam outros textos do mesmo livro III (III,24,92-93 e III,22,105). Tudo se passa realmente como se estivéssemos diante de algumas notas que Marco Aurélio tomou ao ler este livro III das Conversas.
O capítulo seguinte (XI,37) é introduzido por um “diz ele”, o que leva a crer que Marco Aurélio continua citando o mesmo autor dos capítulos anteriores, ou seja, Epicteto. Este texto não tem paralelo nas Entrevistas, mas certamente provém do Epicteto perdido. Nele podemos reconhecer seu vocabulário habitual (topos peri tas hormas, hypexairesis, kat’axian, orexis, ekklisis) e, sobretudo, um de seus ensinamentos fundamentais, o das três regras de vida: disciplina do julgamento, do desejo e da ação, das quais falaremos ao longo desta obra.
O capítulo 38 também é introduzido por um “diz ele”, que só pode se referir a Epicteto. Talvez seja uma paráfrase bastante livre de um texto deste último (III,25,3), onde ele afirma que, na luta pela virtude, não se trata de algo sem importância, mas da felicidade e da bem-aventurança. Marco Aurélio (XI,38) observa, por sua vez:
“Nessa luta, não se trata de ganhar qualquer prêmio, mas de decidir se seremos insensatos ou não.”
Quanto ao último capítulo, que supostamente relata as palavras de Sócrates, é bastante provável que também seja atribuído a Epicteto, uma vez que os capítulos 33 a 38 são retirados desse autor.
É possível também que haja nas Meditações outras citações anônimas de Epicteto. H. Fränkel pensava, com boas razões, que IV,49,2-5 era uma delas:
“Eu realmente não tenho sorte por tal coisa ter me acontecido! – De modo algum! Mas é preciso dizer: Que sorte eu tenho, pois, tendo-me acontecido tal coisa, permaneço sem perturbação, sem me deixar abalar pelo presente e sem temer o que pode acontecer! Pois esse acontecimento, sem dúvida, poderia ter acontecido a qualquer um, mas nem todos teriam permanecido sem perturbação.
– E por que então deveríamos dizer que isso é mais azar do que sorte?
– Você chama de azar para o homem aquilo que não o desvia de seu objetivo? E você acha que desvia o homem de seu objetivo aquilo que não é contrário à vontade da natureza?
– Qual é, então, essa vontade da natureza?
– Tu já aprendeste. Esse acontecimento que te ocorre impede-te de ser justo, de ter grandeza de alma, de ser moderado, prudente, sem precipitação nos teus julgamentos, sem falsidade nas tuas palavras, reservado, livre, de modo que, graças à reunião de todas essas virtudes, a natureza do homem possua o que lhe é próprio?”
Fränkel baseia sua afirmação em particularidades de vocabulário e gramática que são totalmente convincentes. Pode-se dizer, com razão, que, em essência, este texto apenas expressa, na forma de um diálogo, o dogma fundamental do estoicismo: só existe o mal moral, ou seja, aquilo que nos impede de praticar as virtudes. Isso é verdade, mas não deixa de ser um fato que seu tom e sua forma contrastam nitidamente com o resto das Meditações. Normalmente, quando Marco Aurélio usa a palavra “eu”, refere-se a si mesmo ou ao homem bom que fala consigo mesmo. Mas, aqui, o “eu” é o interlocutor de um diálogo que Marco Aurélio relata. Trata-se muito provavelmente de um diálogo que Epicteto, como costuma fazer em suas Entrevistas, imaginou diante de seus ouvintes e que Marco Aurélio recopiou. Epicteto, note-se, diz em suas Entrevistas (I,4,23) aos seus ouvintes que o que realmente vale a pena é trabalhar para eliminar da vida os “ai de mim!” e os “infeliz de mim!”.
É, portanto, provável que tenhamos aqui um fragmento desconhecido de Epicteto. Existem outros? Eu acredito que sim, que existem alguns. Além disso, de um modo geral, não se deve excluir a hipótese de que tal ou tal passagem das Meditações utilize um texto de um autor desconhecido ou, pelo menos, seja uma paráfrase dele. Mas, no que diz respeito a Epicteto, é preciso levar em conta também o fato de que, ao lê-lo repetidamente, Marco Aurélio se impregnou de seu vocabulário, de suas expressões e, sobretudo, de suas ideias. A situação foi muito bem percebida pelo humanista do século XIV que copiou trechos dos livros I a IX no manuscrito que hoje se encontra em Darmstadt. Ele escreveu no início do livro II: antikrus epiktetizei (“Ele epictetiza abertamente”, ou seja: “Ele segue e imita Epicteto”).