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O sentido da epifania

Wunenburger1997

Pode-se, no entanto, concluir que toda teoria metafísica da preexistência de um paradigma condena a imagem a ser apenas afastamento ou perda de ser? Talvez fosse necessário distinguir melhor duas perspectivas, que Platão às vezes tende a sobrepor, mas cuja interdependência talvez não seja inevitável: por um lado, uma abordagem ontológica dos graus de ser que visa fundamentar uma teoria do conhecimento puro sem imagens sensíveis, que, portanto, só pode ver na imagem um desvio permanente para aparências enganosas; por outro lado, uma abordagem estética da criação como manifestação figurativa daquilo que permanece oculto em um plano espiritual, o que permite pensar a imagem como expressão e representação limitada e determinada do ser.

Nessa segunda perspectiva, a hermenêutica contemporânea não deixou de operar uma inversão da ontologia platônica, mantendo, no entanto, o princípio de uma filiação entre a existência da imagem e uma essência superior. Como observa E. Fink, Platão tende a pensar a geração mimética da imagem a partir da experiência especular, na qual, de fato, o reflexo simétrico da Forma existe fenomenalmente sem possuir um ser próprio. “Não é por acaso que a crítica platônica da poesia se baseia no modelo do espelho, na imagem que não contém nenhum elemento lúdico para ser cópia no sentido mais forte… E quando se faz do espelho uma metáfora desiludida da arte poética, afirma-se implicitamente que o poeta não produz nada real, nada autônomo; ele apenas reflete como um espelho, reproduzindo no modo impotente da cópia aquilo que já é, repetindo simplesmente o aspecto superficial do ente; o poeta produz aparências na esfera nula das aparências.” ] E, de fato, na República, Platão ironiza os poderes mágicos dos criadores, comparando-os a manipuladores de espelhos nos quais fazem aparecer, girando-o, a imagem do mundo inteiro; mas, assim como os pintores, eles não criam senão aparência (phainomenon, 596 e) sem nenhuma realidade.

No entanto, para H. G. Gadamer, tal idealismo da essência pode ser interpretado de outra forma: o próprio espaço da transformação em imagem, onde semelhança e dessemelhança começam a interagir em uma relação equívoca, constitui também uma oportunidade para a imagem participar de uma manifestação do ser e, assim, acceder a um “acréscimo de ser”. Nesse sentido, a aparência pode ser compreendida primeiramente como aparição, como exibição, mostração daquilo que, permanecendo oculto aos sentidos, tornaria impossível até mesmo o evento da contemplação e do conhecimento. De fato, a imagem-quadro (Bild), que deve ser distinguida da imagem-cópia (Abbild), não se reduz à imagem-espelho. “A imagem-quadro tem, no sentido estético da palavra, um ser próprio. Esse ser que lhe é próprio enquanto representação, que justamente a diferencia do modelo, lhe confere, em relação à simples cópia, o caráter positivo, o de ser uma imagem… Não se trata de um mero empobrecimento do ser, mas antes de uma realidade autônoma… Que a imagem tenha uma realidade própria implica, por sua vez, que o modelo acede à representação por meio dela. Ele se representa nela… toda representação desse tipo é um processo ontológico e se incorpora ao estatuto ontológico do representado. Por meio da representação, o modelo adquire, por assim dizer, um acréscimo de ser. O conteúdo próprio da imagem é definido ontologicamente como uma emanação do modelo.” ]

Tal reinterpretação hermenêutica implica uma tripla consequência: por um lado, a imagem torna-se um modo de manifestação do ser que pertence à sua essência: “Descobre-se que é somente graças à imagem que o modelo-imagem (Urbild) se torna propriamente imagem-original (Ur-bild); em outras palavras, é somente em virtude da imagem que o representado adquire verdadeiramente o caráter figurável (bildhaft)” (p. 69); por outro lado, a mimese não é mais propriamente um desconhecimento do modelo, mas um “reconhecimento” no e pelo movimento de aparecer do ser na imagem: “A relação mimética… implica, portanto, não apenas que o representado esteja presente, mas que sua presença seja tornada mais autêntica. A imitação e a representação não são apenas repetições e cópias; elas dão a conhecer a essência porque não são simples 'repetição' (Wiederholung), mas 'petição' (Hervorholung), extraindo da obra aquilo que ela realmente é” (p. 41); é por isso, enfim, que a imagem, enquanto ostensiva (zeigend), não pode ser puramente semelhante ao modelo: “Quem imita deve omitir certos traços e destacar outros. Porque mostra, deve exagerar, quer queira ou não” (p. 41). Em outras palavras, a dessemelhança da imagem em relação ao representado não necessariamente obscurece a apresentação da forma, mas, ao contrário, participa, no campo do sensível, de sua exposição, de sua encenação. Assim, mesmo permanecendo dentro de um paradigma mimético, pode-se dar margem ao desvio, transformando-o em um espaço necessário para a manifestação do ser ]. A imagem participa, portanto, de um advento do ser, de seu desdobramento visível, que traduz sua superabundância, sua generosidade ou sua glória.

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