A Razão Classificatória
Wunenburger1990
«A produção da diferença, coisa contrária às leis gerais do pensamento, é rigorosamente falando inexplicável.» Por esta admissão, A. Lalande revela a profunda ferida narcísica que a razão humana esconde sob sua aparência serena ou altiva. O desejo, assim como o dever de todo pensamento, é de fato superar o hiato que o separa de um real preexistente, cuja diversidade e complexidade o desafiam. O espanto primitivo do pensamento diante da resistência do mundo geralmente se transforma em fúria de compreender: teologia, filosofia, ciência aparecem como estratégias conquistadoras para domesticar o dado, para arrancá-lo do silêncio, para conferir-lhe regras de diferenciação. O real certamente se deixa domar, subjugar pela representação, mas por mais aguda e penetrante que seja sua apreensão, o pensamento sempre esbarra em um excesso, um resto, que o desconcerta. Toda empresa especulativa tenta, como Sísifo, escalar as alturas do mundo, mas rapidamente se desequilibra de seu ponto de apoio e é arrastada para uma queda vertiginosa. Todas as vezes que a razão acredita ter capturado, nas malhas de seus nomes e conceitos, as pepitas de ouro dispersas no fluxo incessante das coisas, ela retém apenas grãos de areia que escapam entre seus dedos. O gênio maligno está tão frequentemente no encontro do conhecimento quanto o Deus criador; como para Giges, as coisas, mal vislumbradas, escapam novamente e se dissolvem no inapreensível. Em outras palavras, a inadequação primitiva entre palavras e coisas torna frágeis e aproximativas todas as tentativas de mapear o mundo, de reproduzir sua ordenação, de traçar seus relevos, de traduzir seus movimentos.
A tentação é grande, então, de retroceder, de dar um passo atrás, de baixar a barra, de redefinir as exigências intelectuais para recuar para posições mais estáveis. Em vez de buscar adentrar o coração das coisas, percorrer sua disposição labiríntica, seguir seu desnivelamento caótico, acompanhar seus conflitos, o pensamento pode se contentar com uma solução provisória, uma representação de segunda ordem, que satisfaz suas necessidades mais urgentes de inteligibilidade. A razão humana consegue então canalizar o múltiplo por meio de sistemas classificatórios, de linguagens e códigos, estabilizar o movimento por uma lógica identitária que ancora os fluxos e refluxos das coisas em princípios simples e substâncias em número limitado. Toda essa conduta tem «como função essencial conjurar uma possível desordem das matérias, por um lado, e a possibilidade de seu não-ser por outro. Ela expressará sob a forma de proposições e princípios conjuradores dois fantasmas originários da estrutura mercantil primitiva : o temor de que a matéria venha a se esvair, e a angústia diante do caos universal que um mistura anárquica das matérias existentes geraria, cujo fluxo nos submergiria, arrastando-nos como palha».
Essa racionalidade identitária tende a referir a superabundância do real ao binômio do Mesmo e do Outro, a recortar as formas segundo pares binários, a solidificar os movimentos em substâncias homogêneas, e sobretudo a exorcizar qualquer dissenso constitutivo de uma diferença. O prisma colorido e fluido do mundo se acomoda à sombra do Um ou do Dois, dentro dos quais o jogo das diferenciações faz triunfar uma identidade ou uma alteridade unilaterais. Essa tentativa certamente não é vã: de grades taxonômicas a formalismos lógicos, de buscas por causas primeiras a dicotomias, a razão estabelece uma representação do mundo quadrada, clara, operacional, que acalma suas inquietações, que assegura seu poder de ação sobre as coisas. Então nasce essa grande «prosa do mundo» que, por todos os tipos de itinerários, disciplina a diferença, reduz a complexidade. A dimensão nodal e agonal do mundo é filtrada por uma grade fácil de manejar, de lembrar, de transmitir. O pensamento instala seu confinamento em torno do princípio de não-contradição, da conduta classificatória e de um núcleo de substâncias. Assim centrado, ele acredita poder regular imperialmente a distribuição e a troca das formas e forças. Esse é o vetor essencial de todo o pensamento clássico do qual M. Foucault quis ser o arqueólogo, desenhando «o grande tabuleiro das identidades distintas que se estabelece sobre o fundo confuso, indefinido, sem rosto e como que indiferente, das diferenças», reconstituindo «a história do Mesmo — daquilo que para uma cultura é ao mesmo tempo disperso e aparentado, portanto a distinguir por marcas e a recolher em identidades».
No entanto, será mesmo certo que esse artifício engenhoso que permite aplainar o mundo, catalogá-lo em um mapa em vez de percorrer efetivamente seus vales e montes, não conduz frequentemente a erros de paralaxe, a deformações indesejadas, a violências contra a natureza? Em outras palavras, a ortodoxia aristotélico-cartesiana, que subsumiu o diverso sob suas categorias identitárias, não leva a uma leitura miniaturizada, eufêmica, anêmica das coisas? Ao encerrar todas as determinações sob o Mesmo ou o Outro, sob a relação ou a oposição, sob o Um ou o múltiplo, não se cria uma ilusão de inteligibilidade, não se permanece confinado a uma visão mais unilateral que sinóptica? Mais ainda, essa racionalidade gerencial e pragmática não desemboca em uma diferença simulada ou amputada? Pode-se temer, de fato, que as construções monistas ou dualistas, analíticas ou sintéticas, taxonômicas ou dialéticas frequentemente resultem apenas em hipertrofiar ou subestimar a diferença. Muitas vezes, talvez, a diferença seja capturada por uma lógica da disjunção ou da conjunção, que não questiona uma composição simples, uma organização univalente. Pode-se certamente inventariar escrupulosamente a multidão heteróclita das formas, penetrar nos interstícios, registrar as bizarrarias, seguir os ramificações e estratificações do real; mas a avidez contábil não equivale forçosamente à inteligibilidade precisa da morfologia. Pode-se certamente classificar, subdividir por uma razão fria, reconstituir com auxílio de tabelas e diagramas a filiação dos tipos, mas sem, no entanto, penetrar na intimidade das articulações das coisas entre si. Em suma, em muitos casos, o entusiasmo por esquemas unidimensionais de ligação ou separação impede o pensamento de estar à altura da complexidade do mundo. De modo que o enigma da diferença, apontado por A. Lalande, talvez se deva menos a um ocultamento congênito, a um segredo impenetrável, do que a uma impotência ou preguiça da razão que não consegue ser sua intérprete.
