Individuação, transdução e pensamento transdutivo
Hottois1993 “Entendemos por transdução uma operação, física, biológica, mental, social, pela qual uma atividade se propaga de perto em perto no interior de um domínio, fundando essa propagação numa estruturação do domínio operada de lugar em lugar” (IPC, p. 24-25). Frase-chave por tudo o que reúne e conota. A noção de “transdução”, que designa a maneira como uma individuação se propaga, é ao mesmo tempo referencial e reflexiva: designa simultaneamente os processos de individuação reais em sua diversidade analogicamente ligada e o tipo de pensamento que permite compreendê-los.
Como todas as noções importantes de Simondon, a transdução apresenta, ela mesma, uma unidade de sentido ou de uso analógico, que permite ligar o múltiplo, transpor todas as diferenças sem negá-las. Assim, aplica-se tanto à cristalização física quanto à sincristalização transindividual e social. “Um cristal que, a partir de um germe muito pequeno, cresce e se estende em todas as direções em sua água-mãe supersaturada fornece a imagem mais simples da operação transdutiva (…)” — “A operação transdutiva é uma individuação em progresso; ela pode, no domínio físico, efetuar-se da maneira mais simples sob forma de iteração progressiva; mas pode, em domínios mais complexos, como os domínios de metastabilidade vital ou de problemática psíquica, avançar com um passo constantemente variável, e estender-se num domínio de heterogeneidade; há transdução quando há atividade partindo de um centro do ser, estrutural e funcional, e estendendo-se em diversas direções a partir desse centro” (IPC, p. 25). Aplica-se também à pesquisa e ao desenvolvimento tecnocientíficos e, de modo geral, a todo progresso efetivo no domínio do saber e do pensamento: “No domínio do saber, ela define a verdadeira démarche da invenção, que não é nem indutiva nem dedutiva, mas transdutiva” (IPC, p. 25-26). Observemos que é um uso “transdutivo” que Simondon faz do próprio termo “transdução”. Este pertence, de fato, primitivamente ao léxico técnico: um transdutor é um aparelho capaz de transformar energia (por exemplo, um microfone). Simondon não ignora isso (cf. IPC, p. 36 ss): opera da mesma maneira com outras noções analogicamente extrapoladas, isto é, utilizadas de modo paradigmático que permite transpor os domínios ordinariamente distintos do real e mantê-los simbolicamente unidos ]. A transdução chega assim a evocar as modalidades mesmas de toda ontogênese e de sua retomada ou acompanhamento simbólico pelo pensamento humano.
Ela é uma noção analógica que expressa “a operação analógica no que ela tem de válido” (IPC, p. 26).
Ela é o pensamento do devir e prolonga esse devir no pensamento, na medida em que, com o homem, o devir tornou-se psíquico: “A transdução corresponde a essa existência de relações que nascem quando o ser pré-individual se individua; ela expressa a individuação e permite pensá-la; é portanto uma noção ao mesmo tempo metafísica e lógica; aplica-se à ontogênese e é a ontogênese mesma” (IPC, p. 26). Mais ainda, talvez, que o termo individuação, a transdução constitui a chave de abóbada do edifício simondoniano. Ela designa de fato a ontogênese em si, do físico ao psíquico, em sua unidade e diversidade, continuidade e fases. Ela é a ontogênese, ao mesmo tempo que a reapropriação e a continuação simbólicas, isto é, propriamente antropológicas, da ontogênese. É pensando transdutivamente que a humanidade é capaz de prolongar a ontogênese e prosseguir sua individuação. É permitido considerar toda a obra de G. Simondon como uma transdução simbólica que tenta resolver o problema atualmente maior, segundo ele, da individuação humana: a dissociação entre cultura e técnica e a exigência da produção simbólica de uma “cultura técnica”.
Para isso, o pensamento transdutivo — capaz de evoluir, mudar mantendo as coisas unidas e os signos unidos, e unindo os signos e as coisas — é indispensável. O analogon mais próximo do pensamento transdutivo é o pensamento analógico ]. Em MEOT, onde se fala menos de pensamento transdutivo, Simondon celebra a analogia: “A analogia é o fundamento da possibilidade de passagem de um termo a outro sem negação de um termo pelo seguinte (…) a analogia porta sobre o que se poderia nomear a operação fundamental de existência dos seres, sobre o que faz que neles um devir exista que os desenvolve fazendo aparecer figura e fundo” (p. 189-90). O pensamento lógico (da identidade e do terceiro excluído, preso no molde hilemórfico) é totalmente insuficiente (cf. IPC, p. 24) ]. Mas o pensamento dialético, que Simondon às vezes considera com muito mais favor que o precedente, também não convém, porque permanece demasiado exterior ao devir, segue um regime bipolar (e não multipolar) e identifica o motor do devir ou da diferenciação à negação (cf. IPC, p. 225).
O pensamento transdutivo é aquele que, considerando a infinita diferença das coisas, julga no entanto, e mostra, que a soma das semelhanças prevalece. Ele é o pensamento simbólico por excelência, abordando toda coisa como símbolo: ele é legein e religio. Assim, a consideração do processo de cristalização, embora perfeitamente descrito em si mesmo com a terminologia técnica apropriada, também nos falaria, de certa forma, das modalidades de nossa existência coletiva, ainda que essencialmente por contraste ou de maneira extraordinariamente primitiva, esquemática ou parcial, mas não totalmente estranha.
