Simondon1958

Em outras palavras, não é a realidade humana e, em particular, a parte da realidade humana que pode ser modificada, a saber, a cultura, o intermediário ativo entre gerações sucessivas, grupos humanos simultâneos e indivíduos sucessivos ou simultâneos, que deve ser incorporada às técnicas como um material sobre o qual o trabalho é possível; é a cultura, considerada como uma totalidade vivida, que deve incorporar os conjuntos técnicos conhecendo sua natureza, a fim de poder regular a vida humana de acordo com esses conjuntos técnicos. A cultura deve permanecer acima de toda tecnologia, mas deve incorporar em seu conteúdo o conhecimento e a intuição dos verdadeiros padrões da tecnologia. A cultura é o meio pelo qual o homem regula sua relação com o mundo e sua relação consigo mesmo; e se a cultura não incorporasse a tecnologia, ela conteria uma zona obscura e não seria capaz de trazer sua normatividade reguladora para o acoplamento do homem e do mundo (…) A cultura deve ser contemporânea da tecnologia, reformando-se e assumindo seu conteúdo de estágio em estágio. Se a cultura é meramente tradicional, ela é falsa, porque inclui implícita e espontaneamente uma representação reguladora das técnicas de um determinado período; e ela falsamente traz essa representação reguladora para um mundo ao qual ela não pode ser aplicada.

Assim, a assimilação das realidades técnicas aos utensílios é um estereótipo cultural, baseado na noção normativa de utilidade, que é ao mesmo tempo valorizadora e desvalorizadora. Mas essa noção de utensílio e utilidade é inadequada para o papel real e atual dos conjuntos técnicos no mundo humano; portanto, não pode ser um regulador eficaz.

Sem a contribuição da regulação cultural por meio de uma representação adequada das realidades técnicas, o acoplamento entre o homem e o mundo se desenvolve isoladamente, de forma não integrada e anômica. Da mesma forma, esse desenvolvimento desregulado das realidades técnicas que envolvem o homem justifica, pelo menos de forma aparente, a desconfiança implícita da cultura em relação às técnicas; uma cultura autojustificada se desenvolve em ambientes humanos promovendo uma técnica, enquanto a cultura geral se torna um inibidor, mas não um regulador, de todas as técnicas.

(MEOT, p. 227)