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Rosen (1993) – Aristotelianismo

ROSEN, Stanley. The Question of Being: A Reversal of Heidegger. New Haven: Yale University Press, 1993.

  • A genealogia aristotélica da distinção ontológica heideggeriana e a redefinição da metafísica

A distinção fundamental estabelecida por Heidegger entre Ser e entes deve ser interpretada como uma revisão pós-hegeliana de uma intuição originalmente aristotélica, ainda que não se encontre em Aristóteles uma analogia direta ou explícita para o que Heidegger denomina Ser.

Identifica-se na filosofia heideggeriana um resíduo da formulação aristotélica acerca da relação entre ser e pensar, especificamente no que tange ao modo como o eidos (forma-espécie) ou o ser em seu sentido pleno é dado à cognição humana na ocasião da percepção do particular.

Este processo de atualização no intelecto passivo ou potencial em Aristóteles corresponde, grosso modo, à doutrina heideggeriana da doação ou dádiva do Ser ao pensamento humano, estabelecendo que o Ser não é produzido pela humanidade.

  • Heidegger opera uma separação entre o pensamento receptivo do Ser e o pensamento produtivo ou técnico que busca dominar os entes, mantendo, contudo, a compreensão hegeliana de ambos como processos intrinsecamente temporais.
  • A designação da metafísica como platonismo, comum a Heidegger e seus sucessores, revela-se imprecisa, pois o conteúdo efetivo dessa tradição seria mais adequadamente descrito como aristotelismo, visto que a estrutura científica da ontologia deriva de Aristóteles e não de Platão.

Ao contrário de Platão, que apresenta discussões aporéticas ou dialéticas sem jamais instanciar o funcionamento de uma ciência das Ideias, Aristóteles direciona a investigação para uma filosofia primeira (episteme) explicitamente referida como a ciência do ser enquanto ser.

  • O platonismo deve ser compreendido como uma tentativa de pensar o todo (to holon) e não como a definição dos constituintes ontológicos desse todo, sendo que a interpretação ontológica do platonismo é equivocada por omitir a dependência do logos em relação ao muthos e a doutrina do Eros.

A teoria das Ideias, tal como concebida tradicionalmente, é uma invenção da erudição histórica do século XIX baseada na leitura de Aristóteles, ignorando que nos diálogos platônicos não há acessibilidade dos temas principais (Deus, homem, mundo) ao discurso predicativo ou analítico.

  • A estrutura da episteme e a supressão da diferença entre intuição e demonstração

A constituição histórica da metafísica, ou aristotelismo, fundamenta-se na supressão da diferença entre dois sentidos distintos de episteme ou conhecimento presentes no corpus aristotélico.

O primeiro sentido refere-se ao conhecimento dos primeiros princípios e causas, obtido de maneira distinta da demonstração científica; o segundo refere-se ao conhecimento demonstrativo sobre espécies distintas de entes.

A metafísica acaba por ser identificada com o conhecimento demonstrativo, via discurso predicativo, de formas puras, uma situação facilitada pela própria definição aristotélica de ser enquanto ser por meio de uma estrutura categorial.

  • A estrutura categorial repousa sobre a concepção de ousia (essência ou substância) como o proprietário independente de propriedades, sugerindo que a ciência do ser enquanto ser é um discurso predicativo, ou seja, a asserção de propriedades da ousia.

No entanto, as categorias são, estritamente falando, irrelevantes para a explicação da apreensão do ser em seu sentido primário de eidos, pois não há conhecimento demonstrativo da essência.

O conhecimento do eidos surge por intuição noética (noesis), enquanto o conhecimento do ser enquanto ser refere-se não ao eidos isolado, mas ao on (ente) consistindo de forma e matéria.

  • A primeira categoria responde à questão da essência (o que é), enquanto as demais categorias classificam as propriedades acidentais, porém necessárias, que todo composto de forma e matéria deve possuir.
  • A dualidade intrínseca da ontologia aristotélica e o problema da predicação da essência

Aristóteles não traça uma distinção análoga à Diferença Ontológica de Heidegger, mas estabelece um dualismo entre a forma (eidos) e o ser enquanto ser, cuja confusão é a fonte do desenvolvimento subsequente da metafísica.

A ambiguidade na afirmação de que “o ser se diz de muitas maneiras” (pros hen legomenon) gera a confusão de que as propriedades das categorias são ditas “ser” em relação à essência, quando, de fato, são ditas em relação à substância composta, enquanto a substância é que é dita “ser” primariamente em relação à sua essência.

  • A apreensão do eidos impõe um limite intransponível ao pensamento discursivo, pois a essência deve ser intuída de uma só vez como uma unidade, não sendo passível de montagem via enunciados predicativos nem de análise por divisão de gênero, dada a obscuridade das diferenças específicas.

Não há predicação em uma definição e não há “antes e depois” nas propriedades essenciais; elas são uma unidade internamente articulada e totalmente dada, pertencendo a si mesmas e não a um substrato oculto.

A tentativa de verificar discursivamente o conteúdo dessa intuição intelectual é impossível, pois a intuição é o fundamento pré-teórico de toda verificação científica; consequentemente, não há ciência demonstrativa do sentido primário de ser.

  • A metafísica, ao tentar constituir-se como ciência demonstrativa de essências, torna-se dependente de uma asserção metadiscursiva da essência, o que resulta em sua dissolução histórica em duas vertentes fatais.

A primeira vertente é a involução para uma fenomenologia descritiva, comparável a um “voyeurismo”, onde se trocam asserções sobre como as essências parecem.

  • A segunda vertente é a substituição por um convencionalismo linguístico, comparável a um “falatório”, focado na estipulação de regras arbitrárias para o que conta como essência.
  • A historiografia da filosofia como repúdio do dado e a crítica ao historicismo

A história da filosofia, sob a ótica dessa dissolução da metafísica aristotélica, configura-se como o repúdio constante da experiência cotidiana dada em favor de modelos teóricos abstratos.

Tais modelos buscam apresentar as unidades ontológicas não como elas se mostram (phainomena), mas como “são” de acordo com paradigmas construídos para reconciliar inconsistências aparentes.

  • Tanto a dialética especulativa de Hegel quanto o pensamento originário de Heidegger, apesar de sua oposição à metafísica tradicional, revelam uma dependência estrutural e uma admiração por Aristóteles, na medida em que ambos buscam uma ciência ou investigação da estrutura última do todo.

Hegel substitui a metafísica pela “filosofia primeira” da Ciência da Lógica, enquanto Heidegger transforma a filosofia em uma investigação sobre o Ser, mantendo a ambição aristotélica de uma compreensão totalizante que estava ausente nos diálogos platônicos originais.

  • Conclui-se que o “Aristóteles da tradição” criou a metafísica ao ignorar as reservas platônicas quanto ao pensamento discursivo e ao substituir a doutrina mítica ou hipotética das Ideias pela doutrina científica das formas-espécie, inaugurando o historicismo fenomenológico e linguístico como consequência das fraquezas intrínsecas à sua apresentação textual da ciência do ser.
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