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Rosen (2014) – Sócrates como amante oculto

ROSEN, Stanley. The Quarrel Between Philosophy and Poetry: Studies in Ancient Thought. Londres: Taylor and Francis, 2014.

A Natureza do Eros, a Imortalidade da Psique e a Divergência com o Banquete

A figura de Sócrates nos diálogos platônicos, e especificamente no Fedro, não deve ser compreendida meramente como um não amante ou um louco erótico, mas sim como um amante oculto que funde as naturezas do amante e do não amante, revelando que a própria natureza filosófica exige a combinação da receptividade passiva da intuição noética com a discursividade ativa, uma vez que as três falas do diálogo constituem uma ascensão erótica que transita do não amante, passa pelo amante oculto e culmina no amante em sentido maníaco, intensificando o apetite fisiológico até que este se transfigure em loucura.

Diferentemente do Banquete, onde o apetite fisiológico é incapaz de se transformar puramente em Eros filosófico ou espiritual e onde Eros é apenas um daimon associado à gênese e à mudança contínua, no Fedro, Eros é apresentado como um deus e adquire um distanciamento das moções de constituição e dissolução da gênese, assumindo um movimento circular e perpétuo que preserva a forma, permitindo à psique, através da anamnese que repete o que transcorreu, atuar como uma voyeur eterna da eternidade, o que contradiz a negação heraclitica e estabelece que o caminho para cima não é o mesmo que o caminho para baixo.

A imortalidade no Banquete apresenta-se restrita à visão negativa da beleza divina dentro da perspectiva mortal ou à geração de discursos e corpos, lançando dúvida sobre a imortalidade individual, ao passo que no Fedro a filosofia é possível apenas como um dom divino ou loucura profética, o que confere ao diálogo uma sobriedade técnica distinta, pois enquanto o Banquete termina em intoxicação corpórea, o Fedro conclui com uma discussão técnica sobre retórica e dialética, sugerindo que a fala filosófica exige um distanciamento da loucura erótica para ser articulada, visto que não se pode falar sobre o amor estando-se completamente louco.

O Silêncio da Psique, a Mediação e a Crítica Hegeliana

A tentativa da psique erótica de transfigurar seu Eros em um estado passivo-receptivo de voyeur divino, que é o objetivo no Banquete, realiza-se no Fedro através do silêncio quase completo da psique durante a segunda fala de Sócrates, onde a ascensão é descrita através de um mito atribuído ao poeta Estesicoro, indicando que a loucura divina é fundamentalmente silêncio e que a imortalidade reside no confronto silencioso das Ideias, o que ilustra, sob uma perspectiva hegeliana, uma alienação entre a psique e o corpo ou entre o espírito e o mundo, embora para Platão essa descontinuidade seja constitutiva da realidade, impedindo um relato discursivo totalizante do todo.

A mediação no pensamento platônico difere radicalmente da mediação em Hegel, pois enquanto o termo médio hegeliano eleva os elementos opostos a um nível superior, o termo médio platônico, exemplificado pelo amante oculto ou pela vida mista no Filebo, frequentemente reside em um nível inferior a um dos elementos e constitui um compromisso instável entre o alto e o baixo, refletindo a dificuldade platônica em distinguir a imagem do original e a incapacidade do filósofo de ascender da filosofia à sabedoria plena, permanecendo separado das Ideias e obrigado a combinar instavelmente a intuição com o discurso.

A reabilitação parcial do não amante nas primeiras falas do diálogo estabelece uma oposição entre amizade e desejo erótico, sugerindo que a inteligência, entendida aqui como logismos ou cálculo de vantagens e eficiência técnica, introduz um componente não erótico e discursivo essencial à filosofia, de modo que a união entre Fedro e Sócrates não é de atração sexual, mas de uma loucura por discursos, uma philologia que serve de patamar inicial necessário para que a humanidade ascenda à loucura divina, visto que o entendimento do mito central exige a reapropriação dos elementos racionais do nível não erótico.

A Dramaturgia Dialética: Corrupção, Retórica e a Lógica do Silêncio

A interação dramática entre Sócrates e Fedro revela a corrupção da polis ateniense, metaforizada na exigência de Fedro por um suborno — uma estátua em troca do discurso —, o que posiciona Fedro e homens semelhantes como mediadores entre o vulgar e o refinado, instrumentos de uma revelação socrática que substitui a loucura bêbada de Alcibiades no Banquete por uma negociação contratual sóbria, preparando o caminho para uma hermenêutica da imagem onde Sócrates, cobrindo a cabeça em vergonha, utiliza a força oculta da retórica para elevar Fedro da baixeza de Lisias.

As ameaças progressivas de Fedro — suborno, força física e silêncio — correspondem estruturalmente às três falas do diálogo: o cálculo base de vantagem mútua, a coerção retórica oculta e o silêncio da loucura divina, culminando em uma conexão subterrânea com o Banquete onde a retórica serve para inflexionar o Eros do corpo para a psique, sugerindo que o desapego erótico é uma forma sublimada de atração e que o Fedro confronta a necessidade de uma lógica do silêncio análoga à dupla negação hegeliana, onde o pico do discurso é o próprio silêncio.

A incoerência aparente do Fedro reside numa aporia intrínseca ao platonismo, onde o cume da fala é o silêncio da intuição noética, mas as encostas desse cume são discursivas, exigindo que o caminho para cima, a transformação dialética do desejo, seja complementado pelo caminho para baixo, a discussão técnica da retórica, pois embora os deuses não precisem falar devido à sua perfeição, a natureza paradoxal humana exige que o silêncio do desejo impulsione a fala e que a fala articule e transforme o desejo, evitando a dissecação total e o silêncio absoluto imposto por um Zeus vingativo.

A Dialética do Desejo, a Opinião e os Limites do Amante Oculto

A defesa do não amante assumida por Sócrates revela pedagogicamente que o desejo humano, para ser satisfeito, depende de uma inteligência ou deliberação que é, em si mesma, não erótica, exigindo que o homem recobre a posse de si e oculte seu Eros não apenas do objeto desejado, mas de si mesmo, o que delineia a estrutura do Eros no Fedro como a diferenciação contínua entre atração e desapego dentro do continuum da vida humana.

O amante oculto critica a tese do Banquete ao afirmar que também os não amantes desejam o belo, e propõe a transformação do desejo natural de prazer, identificado como hybris, em uma opinião adquirida sobre o melhor, identificada como temperança, o que antecipa o conceito de trabalho do espírito sobre a natureza em Hegel, embora a posição do amante oculto seja defeituosa por não indicar a fonte divina dessas deliberações humanizadoras, resultando em uma forma de convencionalismo linguístico que, sem a sinopse noética, degenera em sofística.

A falha intrínseca da posição do amante oculto reside no fato de que, ao substituir a natureza pela opinião, a opinião torna-se uma segunda natureza que apenas transfere a hybris para o nível do discurso, levando a uma reificação ou verdinglichung do desejo onde o homem se aliena e se escraviza, provando que a inteligência técnica, dissociada da visão do todo e da loucura divina, deteriora-se em ineficiência e degradação mútua, aprisionando o amante e o não amante em um círculo dialético infrutífero de negações que só pode ser rompido pela dádiva divina.

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