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Rosen (2014) – O não amante no Fedro

ROSEN, Stanley. The Quarrel Between Philosophy and Poetry: Studies in Ancient Thought. Londres: Taylor and Francis, 2014.

Introdução Hermenêutica e a Conexão com O Banquete

A interpretação da porção indevidamente negligenciada do Fedro, o seu início, tem por objetivo iluminar a função filosófica do personagem do não amante e demonstrar um método de leitura dos diálogos de Platão que assume que o filósofo tinha plena consciência de sua escrita e que todas as partes do texto visam comunicar sentido ao leitor atento, estabelecendo assim o próprio texto platônico, e não o intérprete ou a moda acadêmica, como o padrão do que é relevante, o que implica uma consideração reflexiva de cada aspecto do diálogo, especialmente em uma obra dedicada à escrita perfeita.

O início do Fedro constitui um convite para retornar ao princípio de O Banquete, recordando que Fedro é o pai do logos no banquete de Agaton e que a ascensão dialética naquela obra começa dramaticamente pelo fato de ele ser o amado do médico Eriximaco, o qual, sendo um bebedor moderado, transforma o banquete de uma celebração de bebida em um louvor a Eros, introduzindo uma nota de sobriedade medicinal e utilitária que persiste mesmo durante a embriaguez de Alcibiades, cuja revelação do interior sóbrio da hybris erótica de Sócrates sugere que a sobriedade socrática seria o cume ou o cumprimento erótico da sobriedade aparentemente vil de Fedro.

A conexão interna entre Sócrates e Fedro é reforçada neste diálogo posterior, onde, ao contrário da obscuridade noturna e da mediação dramática de O Banquete, ambos estão isolados sob a luz do meio-dia, fora das muralhas da cidade, com Sócrates descalço caminhando no campo, o que inverte o cenário anterior e sugere um ambiente muito mais sóbrio e visível para um diálogo sobre o amor, unindo ambos não pela ação, mas pelo interesse comum em discursos, preferindo a sobriedade das falas sobre Eros à loucura da possessão erótica.

Sócrates protege-se das correntes eróticas perigosas de O Banquete através de meios corpóreos, como o banho e os sapatos, enquanto no Fedro ele utiliza proteção psíquica, recorrendo ao mito e ao louvor da loucura para responder ao defeito erótico de Fedro, evidenciando que a maior sobriedade deste diálogo depende de uma abstração mais radical do corpo, tratando da psique e da visão das Ideias de forma mais pura, onde o louvor da loucura não contradiz, mas sublinha essa pureza, contrastando com o silêncio sobre a loucura divina em O Banquete, que sinaliza a natureza defeituosa daquela discussão sobre Eros.

A insuficiência de O Banquete é demonstrada pelo fato de que o discurso de Sócrates não converte seus ouvintes à filosofia e falha com Alcibiades, indicando que a obra anterior é um passo necessário, porém insuficiente, para a compreensão da natureza de Eros, exigindo um novo começo com Fedro para alcançar a sobriedade da loucura, onde a filosofia ou loucura é apresentada como uma porção ou dádiva divina, diferentemente da supervisão exclusivamente humana da ascensão erótica no banquete.

O nome Fedro designa um ser humano histórico, contemporâneo aproximado de Sócrates, alguém a quem Sócrates é superior, mas com quem mantém uma companhia baseada na imitação da amizade através do amor compartilhado por discursos, situando Fedro como uma figura que não é um jovem a ser testado como Carmides ou Teeteto, nem um fanático como Eutifron, nem um discípulo como Fedon, mas alguém cuja sobriedade erótica é vil por ser direcionada ao corpo, enquanto a de Sócrates é nobre por ser direcionada à psique, representando ambos os polos da sobriedade erótica que culminam na identidade entre o pico da sobriedade e o pico da loucura.

O diálogo não trata apenas de Eros, mas move-se dos discursos para a techne da escrita e para a dialética, ligando Eros e escrita através da psique e do mito das loucuras divinas, sugerindo que a escrita perfeita é um ser vivo e que a ascensão à loucura divina requer primeiro uma crítica ao ensino de O Banquete e um reexame da sobriedade, personificada no princípio gerador da discussão anterior, Fedro, estabelecendo uma receita para a filosofia composta por duas partes de sobriedade para uma de loucura.

Tanto o sóbrio Fedro quanto Sócrates são eróticos passivos em relação aos discursos, não gerando falas próprias mas atuando como atores ou parteiros que testam ou recitam falas alheias, sendo Fedro um pai de logoi devido à sua beleza física que impede a ascensão de seus amantes à psique, enquanto a feiura de Sócrates não obstrui o amor por sua belíssima psique para aqueles que têm olhos para ver, revelando que a compreensão da diferença entre o amor por Fedro e o amor por Sócrates exige entender a porção divina pela qual a loucura se transforma em sobriedade e o feio em belo.

A obra pode ser considerada uma comédia divina com tons trágicos, onde o louvor da passividade é inseparável da concepção platônica da perfeição humana como transcendência do Eros corpóreo, assemelhando a sobriedade do não amante à loucura do filósofo e a esterilidade do erótico passivo à visão antipoética das Ideias eternas, sugerindo que a sabedoria como visão perfeita implica a transformação do homem em um deus ou em uma Ideia noética, tornando inteligível o dito de Parmenides de que o mesmo é pensar e ser.

O Cenário e o Encontro com Lisias

Sócrates encontra Fedro vindo de Lisias, filho de Cefalo, anfitrião da Republica onde a justiça era concebida como utilidade, e o fato de Fedro caminhar por razões de saúde sob conselho médico sugere que ele permite que a medicina cuide do corpo e a retórica da psique, embora o defeito da retórica como medicina psíquica seja a falta de moderação, levando o amante da retórica a ser governado pelo médico corpóreo.

O tema do novo banquete de discursos é a tese de Lisias de que um jovem belo deve gratificar o não amante em vez do amante, uma proposta refinada que Socrates ironicamente associa à utilidade para o demos, estabelecendo uma conjunção entre o não amante, o povo e a utilidade, enquanto Fedro, imitando o filósofo ao valorizar discursos e memória acima do dinheiro, admira discursos democráticos e nutre um amor egoísta, porém transcendente, pela retórica.

A atitude de Fedro em relação aos mitos, como o de Borea e Oritia, é de uma desmitologização científica e física que Sócrates rejeita como uma sabedoria grosseira, preferindo aceitar as visões religiosas convencionais para investigar sua própria natureza complexa e potencialmente monstruosa ou divina, contrastando a ignorância de Fedro sobre a topografia e os mitos locais com o conhecimento de Sócrates, que aprende com os homens na cidade mas responde intensamente à beleza natural do local como um estranho seduzido por discursos.

O cenário do meio-dia, caracterizado por uma harmonia de opostos entre luz e sombra, calor e frescor, natureza feminina e logos masculino, é apropriado para demonstrar a identidade entre as formas divinas de sobriedade e loucura, onde Fedro, louco de amor pelo discurso aparentemente não erótico de Lisias, é impedido pela sobriedade profética de Sócrates de testar sua memória e compelido a ler o texto oculto.

Análise do Discurso de Lisias e a Filosofia do Não Amante

Lisias, logografos famoso e filho de Cefalo, serve como o pai do logos no Fedro, substituindo Fedro nesse papel e permitindo que o discurso de um profissional, livre de entusiasmo contraditório, apresente uma defesa desinteressada ou justa do não amante, cujo estilo sóbrio e antirretórico imita a filosofia ao combinar habilidade técnica com louvor à utilidade, embora falhe por inspirar Fedro pelas razões erradas.

O argumento do não amante baseia-se em um contrato de negócios ou troca de bens onde a ausência de desejo erótico (epithymia) e a liberdade da necessidade permitem um cálculo eficiente e tecnicamente preciso de perdas e ganhos, reificando o jovem amado como uma unidade em uma economia de livre mercado e preferindo a objetividade baseada no egoísmo tecnicamente competente à estima humana autêntica, concordando parcialmente com uma análise materialista das relações.

O não amante combina hedonismo, utilitarismo e tecnicismo para abstrair qualidades humanas como o belo e o nobre, perseguindo o geral e o constante através de uma techne de divisão e coleção de lucros, o que leva a uma transformação do verdadeiro e do falso baseada no menor denominador comum da paixão animal e termina em uma ciência avançada de contabilidade de custos e psicologia computacional, onde a autonomia buscada não é do desejo, mas da ananke de Eros ou do divino.

A posição do não amante, ao definir desejo como gratificação fisiológica, introduz um igualitarismo democrático ou liberdade da subjetividade de juízos de valor, mas esconde uma contradição oligárquica, pois pressupõe que o jovem é motivado por considerações financeiras ou de reputação, transformando a relação pederástica em uma troca econômica onde a amizade significa vantagem, o que logicamente favoreceria o amante mais rico, independentemente de outras qualidades.

A defesa de Lisias assume tacitamente que, embora existam rivais mais ricos ou inteligentes, o não amante possui riqueza (ousia) e inteligência suficientes para garantir a vantagem mútua através de sua gestão eficiente, revelando que seu ensino é um substituto técnico para a excelência pessoal e que a amizade racional baseada na vantagem precede a gratificação física, o que, ironicamente, torna a proposta mais vantajosa justamente pela sua vulgaridade ou bestialidade que garante o pagamento antes do prazer.

A baixeza do discurso de Lisias contém um ensinamento sério que critica a doutrina de O Banquete, sugerindo que o homem erótico, sendo o mais carente, é o pior a ser gratificado, e que a mania erótica não regulada é perigosa, devendo-se preferir aqueles que já possuem a ousia ou o bem, indicando que o filósofo deve compreender a baixeza e a sujeira para entender a psique e o cosmos, e que o não amante, em sua forma irônica, ensina algo tanto sobre a baixeza humana quanto sobre a natureza da filosofia.

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