pico_della_mirandola:tres-modos-de-existencia

Três modos de existência

Miradola1486

Os platônicos (Platão e os neoplatônicos (Plotino, Proclus, Porfírio, Jâmblico)) têm como dogma principal que todas as coisas criadas vêm à existência em três modos que, apesar dos nomes diferentes, tendem a ter o mesmo significado, de modo que podemos chamá-los de ser causal, ser formal e ser participado. Essa é uma distinção que não pode ser feita mais claramente por meio da linguagem, mas que será objeto de um exemplo bem explícito. Não há calor no sol, de acordo com os filósofos, porque o calor é uma qualidade relevante para os elementos e não para a natureza celestial; entretanto, o sol causa e gera todo o calor. O fogo é quente porque é de sua própria natureza e forma ser quente. Um pedaço de madeira não é quente por si só, mas pode ser aquecido pelo fogo, recebendo dele a qualidade em questão por participação. Assim, o que é chamado de calor tem seu ser causal no sol, seu ser formal no fogo e seu ser participativo na madeira ou em qualquer outra matéria inflamável.

Desses três modos de existência, o mais nobre e perfeito é o ser causal, razão pela qual os platônicos julgam que toda a perfeição atribuída à divindade se encontra nesse primeiro modo; essa é também a razão pela qual eles dizem que Deus não é o ser, mas o princípio de todos os seres. Da mesma forma, dirão que Deus não é o intelecto, mas a fonte e a causa de toda intelecção; afirmações que, por não serem fundamentalmente compreendidas, causam grande preocupação aos platônicos de hoje. É assim que me lembro de ter ouvido um de seus grandes representantes confessar que ficou muito surpreso com a afirmação de Plotino de que Deus não compreende nem conhece. Quanto mais espantados devemos ficar ao vê-lo ignorar a razão pela qual Plotino diz que Deus não entende, que é a seguinte 1): Plotino quer dizer com isso que a perfeição da inteligência existe em Deus apenas causalmente, não formalmente, o que, longe de negar-lhe toda a inteligência, concede-a a ele em um modo mais elevado e mais perfeito. Isso pode ser claramente entendido pela afirmação de Dionísio, o Areopagita, príncipe dos teólogos cristãos, de que Deus não apenas conhece a si mesmo, mas conhece tudo nos mínimos detalhes, usando a própria fórmula de Plotino de que Deus não é de natureza inteligente ou intelectiva, mas transcende infinitamente todas as inteligências e todo o conhecimento.

Vale a pena observar cuidadosamente essa distinção, que usaremos com frequência, porque ela contribui muito para nossa compreensão da doutrina de Platão.

1)
Garin indique : Enneades, V, VII, 40. Nous pensons qu’il s’agit plutôt de V, VI, 1, 2, à propos de l’Etre qui est au-delà de l’Etre.
/home/mccastro/public_html/sofia/data/pages/pico_della_mirandola/tres-modos-de-existencia.txt · Last modified: by 127.0.0.1