Qual a relação entre pessoa e narrativa?
Corsi, 2008
Em uma obra recente, a estudiosa americana Marya Schechtman se expressou da seguinte forma: «A pedra angular na perspectiva da concepção narrativa de si é a tese de que a identidade da pessoa é criada por uma concepção de si que está em forma narrativa. Colocada da maneira mais geral, isso significa que constituir uma identidade exige que um indivíduo conceba sua vida como tendo a forma e a lógica de uma história – mais especificamente, a história da vida de uma pessoa – onde se entende “história” como uma narrativa linear convencional».
Nessa tese, embora dentro de uma reflexão muito específica, podemos reconhecer alguns pontos compartilhados pelas teorias narrativas. Em geral, formular uma teoria narrativa da identidade pessoal significa estabelecer uma conexão entre diferentes elementos.
(a) Em primeiro lugar, entre a narrativa e a vida pessoal, considerada em suas partes (experiências e ações particulares) e em sua totalidade. Defender, de fato, uma teoria narrativa significa perguntar que tipo de relação existe entre as características estruturais reconhecíveis na vida e aquelas próprias das narrativas romanescas. É uma relação contingente ou necessária? A vida pessoal está estruturada segundo as propriedades formais das histórias que encontramos narradas nas obras literárias, ou ela assume tais propriedades apenas por meio de uma projeção nossa? No primeiro caso, talvez estaríamos justificados em falar de “histórias de vida” vividas; no segundo caso, porém, ainda assim estaríamos autorizados a falar de “histórias de vida”, mas sempre e apenas contadas.
(b) Em segundo lugar, dado que, por definição, a vida pessoal é a vida de uma pessoa que a conduz e “vive”, quais consequências derivam para a identidade pessoal da aproximação entre vida e narrativa? Se nossas vidas compartilham as propriedades das histórias, então a identidade da pessoa se apresentará em algo semelhante a uma história. Assim, contar a própria vida parece se tornar um momento fundamental para a compreensão de quem se é: de si mesmo e da própria identidade. Se, por outro lado, as vidas pessoais não participassem dessas propriedades, então propriamente nós não “viveríamos” histórias. Portanto, atribuir a elas os traços de histórias plausíveis e coerentes, ao narrar nossa vida, poderia ser enganoso para uma adequada compreensão de nossa identidade.
Observe-se que parece sempre possível narrar, verbalmente ou por escrito, a história de vida de uma pessoa, seja ela nosso passado (autobiografia) ou o passado de outro indivíduo (simples biografia). No entanto, é legítimo perguntar se a pessoa é inseparável de sua própria vida, já que «nossas vidas são coisas que nos acontecem, que vivemos, e enquanto nossas experiências podem ser contadas como histórias depois do fato, não possa sê-lo o eu que está vivendo-as».
É em relação às respostas dadas a essas perguntas que proponho classificar algumas posições-chave em torno da questão de saber se as vidas são ou não são narrativas.
