Périplo conceitual das paixões
Michel Meyer, Meyer1991
Mas, mais profundamente, a paixão é outra coisa além de uma radicalidade emocional ou uma base para a sociabilidade. Ela é, sobretudo, sensibilidade, antes de ser amoralidade ou, pior, imoralidade. É o sinal da contingência no homem, ou seja, de tudo aquilo que ele busca dominar. Lugar de convergência da temporalidade e da reversão de toda verdade em seu oposto, a paixão inquieta, desestabiliza, desorienta, reproduzindo a incerteza do mundo e do curso das coisas. Na realidade, ela é o Outro em nós, sem o qual não existimos, mas com o qual é difícil e perigoso conviver. A paixão é, de fato, a palavra de todos os riscos, assim como das infinitas promessas. E se há, sem dúvida, uma escolha moral envolvida, é porque ela abre caminhos contraditórios, alternativas. Se paixão e moral sempre estiveram estreitamente associadas, não se deve perder de vista que, na origem, o pathos é antes de tudo essa consciência sensível, irrefletida, que nos mergulha nos fluxos da vida e nos impulsiona a fugir de seus perigos tanto quanto a buscar seus prazeres. A paixão é, assim, tanto o que nos prende ao mundo quanto o que pode nos arrancar de seus riscos ao nos alertar sobre eles. Ela nos engole em uma reversibilidade sempre possível da existência, alterando seu curso e, com isso, nos faz perceber seus abismos e ilusões. Ao mesmo tempo sinal de alerta e perigo, ela é a própria alternativa que remete a toda alternativa existencial possível.
Ter uma paixão, no sentido originário da palavra pathos, é simplesmente, para a alma, sofrer um movimento, que é a expressão, nela, da impressão exterior. Por mais longo que seja o caminho que separa o simples pathos da grande paixão — e às vezes, felizmente ou não, intransponível —, essas duas realidades da alma permanecem da mesma natureza. Das pequenas alegrias ao amor, das dificuldades absorventes às ideias obsessivas, da preocupação com a vida à paixão pelo ganho, a linha é contínua. Como traçá-la, então, e estabelecer uma fronteira entre essas paixões que nos devoram e as emoções passageiras, que se aproximam mais dos estados de espírito cotidianos do que dos torrentes que os arrastam? Talvez seja necessário seguir Kant, que distingue os afetos das paixões: “A inclinação que a razão do sujeito domina com dificuldade ou não domina de modo algum é a paixão. Por outro lado, o sentimento de prazer ou desprazer que se experimenta no estado presente e que, no sujeito, não deixa espaço para a reflexão (representação da razão pela qual se reconhece se deve se entregar ou recusar esse sentimento) é a emoção (Afekt).” Tal distinção está, claro, marcada por uma preocupação ética e vai além da mera descrição. A neutralidade assexuada da emoção a separa da paixão, em nome, justamente, da reprovação lançada sobre esta última, que a faz ser vista como autônoma. Enquanto a emoção seria um estado normal da vida psíquica, a paixão expressaria seu aspecto patológico. Dessa forma, perde-se o rastro do passional, sua origem; corre-se o risco de não mais conseguir explicá-lo e de ver na paixão um ser à parte.
Se essa visão é, em muitos aspectos, tardia, o fato é que toda teoria das paixões apresenta constantes que a marcaram ao longo de sua história. Como que aquém do logos e do universal, ela é o próprio indivíduo, o flutuante, portanto, o sensível. Mas se, por isso, ela representa um problema para o logos que a reflete, o simples fato de essa reflexão ser possível indica que a paixão é ao mesmo tempo sensível e algo intelectualizável. Ela é o ponto de convergência da consciência sensível, irrefletida, voltada para os objetos externos, e da consciência reflexiva. Ela nos lança no mundo e, por ela, o mundo nos absorve. Sinal de nossa individualidade, ela é também o lugar de nossa identidade: somos o que experimentamos e sentimos. A paixão que nos submerge apagará de nossas preocupações tudo o que não for ela. Se ela é esse estado fusional que condensa nosso ser e nossos desejos em uma única força, como se defende desde o Romantismo, se ela nos dá essa sensação refletida de finalmente existir, ela é também, por seu caráter singularizante, o que mais nos diferenciará dos outros. A lógica das paixões em uma comunidade humana é uma lógica da identidade e da diferença. Ela forma a racionalidade das paixões, de Platão aos nossos dias. Elas aproximam, unem os homens, assim como causam sua perdição. A paixão, no fim das contas, é a própria alternativa, e desde Aristóteles, ela se deixa definir por contrários, pois é o que nos tira da repetição idêntica do cotidiano e da observância das regras, tão caras aos nossos moralistas desde o alvorecer da humanidade. O que pode se inverter, a alternativa, a reversibilidade, está marcado pelo sinal do tempo. O enraizamento temporal do homem faz com que o que era adquirido possa ser perdido, e que o que parecia impossível se imponha como inevitável. A paixão, ao expressar justamente nossa problematicidade, nossa contingência, e isso de forma irredutível, revela-se o ponto de apoio quase metafísico do que teremos de chamar, com todas as ressalvas, de “condição humana”. Ela cria a necessidade de um destino onde havia apenas liberdade aparente. Ela nos eleva além de nós mesmos, assim como nos rebaixa ao mais baixo. E assim, além do que há frequentemente de moralizador no discurso sobre as paixões, há nelas uma dimensão estética que pode conduzir o homem ao sublime, tanto no horror quanto na grandeza.
No fim do percurso, a paixão é esse cruzamento fundamental entre estética e política, onde acabam por se encontrar as questões mais essenciais que se colocam ao homem desde tempos imemoriais.
