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A identidade em Paul Ricoeur

Corsi, 2008

A atenção à pessoa e à sua identidade foi constante no pensamento de Paul Ricoeur; no entanto, ela sofreu um renovado interesse ao longo dos anos 80. Em um famoso artigo daquele período, referindo-se ao debate contemporâneo, Ricoeur reconheceu o fracasso do personalismo, um movimento filosófico cuja característica fundamental era a centralidade do conceito de pessoa. A razão do fracasso, segundo o filósofo francês, deve ser buscada no fato de que o personalismo perdeu a “batalha do conceito”, enquanto a noção de pessoa retornaria porque continua sendo a melhor candidata à defesa dos direitos humanos, contra as noções hipostatizadas de “consciência”, “sujeito”, “eu”, amplamente criticadas pela filosofia contemporânea.

Podemos perguntar contra quem ou contra o que o personalismo perdeu a “batalha do conceito”, uma vez que Ricoeur não o indica explicitamente. É possível, como foi proposto, que se trate da crítica ao conceito de pessoa empreendida pela filosofia chamada analítica, que atingiu um de seus ápices com a obra Razões e pessoas, de Derek Parfit, e que tem suas raízes, como veremos, nos argumentos tradicionais do empirismo inglês.

Recentemente, o próprio Ricoeur tentou contestar as teses de Parfit, em particular na obra Sé come un altro (Si mesmo como outro), desenvolvendo alguns instrumentos conceituais com os quais reformulou a questão da identidade pessoal. Antes de examinar esses instrumentos e, portanto, avaliar os argumentos de Parfit e as objeções de Ricoeur, considero oportuno deter-me em alguns aspectos gerais do debate sobre pessoa e identidade pessoal. Como nem Parfit nem Ricoeur prescindem desses aspectos, espero poder oferecer uma melhor compreensão de seus argumentos, mesmo com as referências que proponho.

O problema da identidade pessoal, pelo menos desde Locke, tem sido considerado principalmente como a questão de estabelecer qual é o critério dessa identidade: como, em que sentido e em relação a quais propriedades se pode dizer que uma pessoa “permanece a mesma” de um momento temporal a outro. Várias respostas foram argumentadas, criticadas e reformuladas através de um debate que se prolongou até aos nossos dias. Nenhuma dessas propostas encontrou uma confirmação definitiva, mas na maioria dos casos elas têm em comum a busca por algo que permaneça o mesmo ao longo do tempo.

Algumas soluções atuais, às vezes graças a um certo tipo de experimento mental, perseguem um projeto de “naturalização”, que segue diferentes caminhos: materialismo, reducionismo forte, eliminativismo etc. Além das diversidades entre as posições, esse projeto se distingue pela certeza de poder eliminar a noção de “consciência” entendida como perspectiva em primeira pessoa e, portanto, de poder remover a visão comum que cada um de nós tem de si mesmo. Contra essas posições, avançam-se argumentos defensivos, reunidos em torno das dificuldades conceituais e empíricas do programa de redução completa, bem como na implausibilidade e contraintuitividade das teses reducionistas. Entre as propostas reducionistas, como veremos, destaca-se a de Parfit, caracterizada por elementos (neo)lockianos e (neo)humianos, enquanto entre os argumentos contra o reducionismo, em particular o parfittiano, encontramos também os de Ricoeur.

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