Table of Contents
Rosen (1993) – Questão do Ser
ROSEN, Stanley. The Question of Being: A Reversal of Heidegger. New Haven: Yale University Press, 1993.
Escopo da Investigação e a Influência de Heidegger
A tese central de Martin Heidegger, segundo a qual a filosofia europeia desenvolvida desde Platão até Friedrich Nietzsche constitui a história da metafísica ou do platonismo, deve ser investigada com foco na origem ostensiva dessa história em Platão e em sua culminação na obra de Nietzsche, exigindo uma análise textual considerável cujas intenções permanecem estritamente filosóficas em detrimento de preocupações filológicas. A interrogação sobre o que é o Ser, levantada primordialmente por Heidegger, demanda uma resposta que possua uma inspiração distinta, operando uma reversão do pensamento heideggeriano que funciona simultaneamente como uma reconstrução do espírito do platonismo, o qual deve renovar-se a cada geração como uma fênix que renasce das cinzas da refutação.
A seleção dos textos analisados justifica-se pela capacidade destes em elucidar o que é fundamental na tese de Heidegger e, por extensão, em sua interpretação de Platão e Nietzsche, visto que Heidegger exerce uma influência decisiva na contemporaneidade que repete o destino de Nietzsche, onde a retórica e o jornalismo fornecem substitutos cada vez mais meretrícios para o trabalho infinito do Espírito mencionado por Hegel. A interpretação heideggeriana do platonismo configura-se como o maior obstáculo para a compreensão contemporânea da natureza da metafísica e da própria filosofia, devido à potência de sua inteligência e à extensão de sua erudição, independentemente da perversidade com que tais atributos possam ser empregados.
A Dicotomia Filosófica e a Necessidade de Reconstrução
A autoridade do pensamento de Heidegger sustenta a convicção generalizada, inclusive entre os autodenominados filósofos analíticos, de que a história da filosofia chegou ao fim e que se adentrou em uma era pós-filosófica, uma convicção que tem Nietzsche como figura de fundo e a interpretação heideggeriana de Nietzsche como cânone, distorcendo seriamente o debate entre as principais escolas de filosofia ao encorajar uma distinção espúria entre filósofos analíticos e continentais. Essa distinção produz a impressão absurda de que a precisão, a clareza conceitual e o rigor sistemático são propriedades exclusivas da filosofia analítica, enquanto os continentais se entregariam à metafísica especulativa e à hermenêutica cultural, ocultando o fato de que a influência hermenêutica preenche o vazio em torno da techne da filosofia analítica, a qual carece de justificativa analítica para a própria análise e permanece vulnerável às doutrinas continentais que veem a lógica e a matemática como poesia ou construções da vontade de poder.
A sociologia da filosofia profissional interessa apenas na medida em que nenhum progresso é possível até que os escombros sejam removidos da via pública, sendo necessário focar nas máquinas de remoção e não nos escombros em si, operando com um espírito de reconstrução ativa e não de refutação reativa, propondo o próximo passo na filosofia que unifique precisão técnica e metafísica especulativa em um movimento descendente, saindo da atmosfera rarefeita da abstração acadêmica de volta ao ar rico da vida cotidiana. Esse passo equivale a uma aplicação sólida do platonismo genuíno, pois a tentativa de orientação fora da caverna conduziu à cegueira e à insolação, recomendando-se não a permanência na caverna, mas a distinção entre ela e os céus através da recuperação da visão da superfície da terra e do horizonte.
Platonismo, Utilidade e a Natureza da Metafísica
O platonismo genuíno é atemporal e não reacionário, possuindo mais afinidade com o Iluminismo do que com o obscurantismo de invocações teutônicas de Wotan e caminhos da floresta, e embora Heidegger critique a comparação platônica da Ideia do Bem com o sol por supostamente expressar a utilidade dos entes em vez de sua descoberta no processo do Ser, deve-se argumentar que a utilidade é um componente essencial da bondade. A bondade, contudo, pouco se relaciona com uma doutrina metafísica de Ideias Platônicas no sentido tradicional, emergindo, conforme explicado pelo próprio Sócrates, de uma reflexão de senso comum sobre a natureza da experiência ordinária, aproximando a prática socrática nos diálogos platônicos da phronesis ou do senso comum, sem advogar um retorno à metafísica no sentido aristotélico da ciência do ser enquanto ser.
A reputação ambígua da metafísica na época tardo-moderna decorre de razões intrínsecas ao empreendimento que remontam à antiguidade clássica, sendo decisiva a alegação de Heidegger de que a metafísica, entendida como a tentativa de pensar o ser dos entes em vez do Ser, origina-se na volta de Platão da verdade como descoberta para a verdade sobre aquilo que é descoberto. Heidegger não apenas iguala metafísica a platonismo, mas também reivindica estar engajado, como meio passivo do destino, na preparação de um outro início ou retorno à manifestação original do Ser aos pensadores gregos arcaicos, considerando o fim da metafísica e o ensinamento maduro de Nietzsche como sinais de uma salvação futura encarnada na figura profética do próprio Heidegger.
Terminologia, Etimologia e a Experiência Grega
A filosofia heideggeriana busca despojar o pensamento de sua carapaça escolástica, mas corre o risco de sufocar a vida pela própria terminologia destinada a preservá-la, utilizando neologismos e paráfrases obscuras enraizadas em análises etimológicas de termos como physis, aletheia e phaos para descobrir a experiência original contida na linguagem antes de sua incrustação por modos derivados de expressão. A análise heideggeriana sugere que uma revelação da verdade ocorreu na Grécia arcaica com pureza superior às manifestações subsequentes, onde physis é explicada não como um termo técnico, mas como aquilo que emerge de si mesmo ou o desabrochar que se abre, conectando-se conceitualmente ao crescimento e à luz, até o ponto em que Heidegger afirma que a physis é o próprio Ser, graças ao qual a coisa primeiramente se torna e permanece observável.
Ao direcionar a atenção para a coisa visível e para a presença como propriedade comum que define qualquer coisa, Platão teria ocultado o processo de emergência ou de tornar visível, desviando a atenção do Ser para os entes e, através da atenção ao aspecto visível dos entes, para o ser dos entes. Heidegger sustenta que essa ocultação foi compreendida em princípio pelos pensadores pré-platônicos, particularmente por Heráclito no fragmento que afirma que a natureza ama esconder-se, interpretando a physis como o jogo de emergência em auto-ocultamento que se esconde no ato de emancipar aquilo que emerge no aberto; a partir de Platão, a filosofia passa a ser definida pelo padrão do ser genuíno ou ontos on como presença pura, identificada pela ideia.
O E-vento (Ereignis) e a Questão do Ser
A virada da physis para o Ser constitui uma mudança de modos de pensar ordinários para extraordinários, evidenciada pelo fato de que não há uma única palavra em grego que corresponda ao Ser (Sein) como Heidegger o emprega, sendo a physis o termo que mais se aproxima, sugerindo que o Ser se oculta em sua apresentação inicial como physis e que a linguagem é a casa do Ser onde habita o homem. O sentido do Ser não é mera expressão linguística, mas requer a recolha orientada pela história do Ser que retorna ao apelo da voz silenciosa do Ser, onde o pensador corresponde em fala ao que lhe é concedido pelo logos no sentido original de colher ou reunir, definindo o ser humano como o animal possuído pelo logos e não aquele que o possui.
A ambiguidade fundamental no pensamento de Heidegger reside na impossibilidade de dizer o que nos é dado, pois o dado não é um “o que”, levando à noção de E-vento (Ereignis) como a palavra condutora do pensamento heideggeriano desde 1936, a qual designa o caminho do próprio Ser ou o modo de proceder (Wesung) que é anterior à essência ou natureza. O E-vento não é um acontecimento identificável, pois nada acontece em relação a ele, mas ele “eventua”, sugerindo que a phusis é um caminho livre ou acontecimento imprevisível, e não um padrão ou fundamento ao qual se possa recorrer para definir a natureza genuína de uma coisa, sendo o processo misterioso da mudança de padrões e da doação de diferentes padrões em diferentes épocas.
Política, História e Niilismo
A distinção entre natureza, entendida como constituição necessária ou padrão, e caminho, entendido como ocorrência sem fundamento que simplesmente acontece, permite compreender o E-vento como a liberdade do ser humano onde não há princípios ou fundamentos intrínsecos além daqueles livremente aceitos ou dados pelo destino. Essa ausência de fundamentos torna o pensamento de Heidegger compatível tanto com o conservadorismo extremo quanto com o anarquismo, pois a abertura ao Ser ou à região que regiona (Gegnet) não oferece orientação moral ou política específica, deixando permanentemente obscuro por que a resolução heideggeriana do problema do niilismo não seria ela própria um niilismo em grande escala, onde a abolição da metafísica de valores deixa tudo sem valor e a abolição da metafísica de substâncias deixa tudo sem substância.
Heidegger, operando como um conservador extremo que aceita a crítica de Nietzsche à democracia moderna e ao liberalismo, invoca o povo alemão a reafirmar a grandeza de sua tradição e destino, expressando vagamente que a Pátria é o próprio Ser que carrega e ordena a história de um povo e que a verdade de um povo é a abertura do Ser a partir da qual ele sabe o que quer historicamente. A ação política no sentido mais elevado e genuíno torna-se indistinguível de uma abertura ao Ser, e a virada (Kehre) heideggeriana em direção à serenidade (Gelassenheit) implica uma espera pelo retorno dos deuses ou pelo próximo presente do Ser, uma postura que, ao destituir o pensamento de conteúdo positivo sobre os entes, pode decair na lassidão de pensar sobre o meramente contingente e arbitrário.
A Defesa da Metafísica e o Retorno ao Cotidiano
Heidegger está correto ao indicar que o pensamento filosófico emerge do pensamento cotidiano, mas equivoca-se ao supor a necessidade de retornar aos gregos arcaicos para recuperar a manifestação genuína da physis, pois a linguagem de Heráclito radicaliza o grego cotidiano e não inventa uma nova língua, assim como as coisas que nos são dadas são entes específicos como um pedaço de giz, uma flor ou um edifício, emergindo e desaparecendo em uma região de abertura familiar. A tentativa de pensar o Ser independentemente de seus modos de ocultamento e fora da dialética de revelação e ocultamento dos entes específicos resulta em abstração insustentável, e a tese de que a metafísica é platonismo, completada por Nietzsche como platonismo invertido, exige uma contestação que mostre que o que Heidegger chama de platonismo é mais propriamente aristotelismo.
A reconstrução do platonismo não deve conduzir a Píndaro e Heráclito, mas ao que está presente e ausente nos sentidos cotidianos, refutando a acusação de que o sentido interno da metafísica é o niilismo e apresentando um retrato mais preciso do platonismo que acomode as melhores características de Nietzsche e Heidegger. A imersão nos textos de Heidegger, Platão e Nietzsche não visa curiosidade histórica, mas clarificar a manifestação presente da questão filosófica perene sobre o que deve ser feito, reconhecendo que a teoria é a forma mais elevada de atividade por ser nobre e boa, e não meramente edificante.
