Mazzino Montinari – Vontade de Poder
MAZZINO MONTINARI. CHE COSA HA DETTO NIETZSCHE. Milano: ADELPHI, 2025.
2. Devemos agora nos deter detalhadamente no problema da “vontade de poder”, que domina a obra do último Nietzsche. Quando se fala em “vontade de poder”, refere-se-se, em primeiro lugar, a um filosofema de Nietzsche e, em segundo lugar, a um de seus projetos literários. A definição da vontade de poder, preparada desde 1880 pelas reflexões sobre o “sentido de poder” em Aurora e nos fragmentos póstumos contemporâneos, encontra-se desenvolvida na segunda parte de Assim falou Zaratustra, mais precisamente no capítulo “Da vitória sobre si mesmo”:
“Sempre que encontrei um ser vivo, também encontrei vontade de poder… E a própria vida me confiou este segredo: ‘Veja, disse ela, eu sou a contínua e necessária superação de mim mesma… E você também, homem do conhecimento, não é mais do que um caminho e a pegada da minha vontade: na verdade, minha vontade de poder também caminha sobre as pernas da sua vontade de verdade! Certamente não compreendeu a verdade aquele que, para alcançá-la, lançou a palavra “vontade de existir”: essa vontade não existe! Na verdade: o que não é, não pode querer; mas o que está na existência, como poderia ainda querer a existência! Somente onde há vida, há também vontade: mas não vontade de viver, e sim… vontade de poder! Muitas coisas têm mais valor para o ser vivo do que a própria vida; mas também a partir de sua atribuição de valores fala – a vontade de poder!”
Essa descrição da “vontade de poder” é de 1883 e permaneceu válida para Nietzsche até o fim. Procuremos, portanto, destacar suas características essenciais: a vontade de poder, ou vontade de domínio, ou vontade de posse, é a própria vida; onde quer que haja vida, há também vontade de poder. Essa vontade de poder não é um princípio metafísico como a vontade de existir ou a vontade de viver de Schopenhauer: ela não se “manifesta”, mas é simplesmente outra maneira de dizer vida, de definir a vida, que é, portanto, para Nietzsche, a relação entre forte e fraco, mas acima de tudo a vontade de superar a si mesmo, no ser vivo, que se coloca em risco “por amor ao poder”. E também a “vontade de verdade” (que Nietzsche chamou anteriormente, a partir de Aurora, de “paixão pelo conhecimento”) é vontade de poder, na medida em que é “vontade de tornar pensável todo o ser”, que deve se submeter ao homem do conhecimento, se subjugar ao espírito, para se tornar seu espelho, sua imagem refletida. Assim fizeram os criadores dos valores, do “que o povo acredita ser bom e mau” (Assim falou Zaratustra, II, “Da vitória sobre si mesmo”): foram eles, com sua vontade de poder, que os entregaram como patrimônio de crenças morais ao que Nietzsche chama de “povo”.
Depois de lembrar, de forma certamente resumida, o que Nietzsche entendia com a expressão “vontade de poder”, queremos voltar nossa atenção para seu projeto literário que consistia na intenção de escrever uma obra intitulada A vontade de poder. Esse título aparece pela primeira vez nos manuscritos de Nietzsche do final do verão de 1885. Ele é preparado por uma série de anotações datadas a partir da primavera daquele mesmo ano. No entanto, é importante ressaltar, neste ponto, para que não se crie uma falsa perspectiva, que o motivo da “vontade de poder” se encontra variado junto com outros nos fragmentos póstumos e que também o título – quando aparece pela primeira vez – não é o único sobre o qual Nietzsche orienta suas meditações. O sentido histórico, o conhecimento como falsificação que torna a vida possível, a crítica da moderna hipocrisia moral, a definição do filósofo como legislador e experimentador de novas possibilidades, a chamada grande política, a caracterização do bom europeu: todos esses e outros motivos ainda se encontram desenvolvidos nos cadernos e nos blocos de notas desse período. Os papéis póstumos de Nietzsche apresentam-se também neste caso como aquele diário intelectual que eles, na sua forma autêntica, são, um diário no qual estão registradas todas as tentativas de elaboração teórica, as leituras (quase sempre sob a forma de excertos), também os esboços de certas cartas e depois os títulos de obras a escrever e os planos relativos. É importante não perder de vista o caráter de tentativa desses anotações e sua complexidade, mas sobretudo sua totalidade. Assim, devemos dizer, a respeito dos numerosos títulos e planos, que 1) pode haver títulos que derivam de anotações anteriores, mas 2) também títulos que surgem por si mesmos e revelam uma intenção ainda não amadurecida, assim como há planos que 1) estão ligados a anotações, ou 2) a um título, ou 3) não revelam nenhuma conexão nem com as anotações circundantes nem com um título. O que é certamente unitário é a atmosfera tensa da tentativa que quer ser considerada tal como se encontra no manuscrito e se revela refratária a qualquer pretensão de organização ou “vontade de sistema”. Se, portanto, isolarmos provisoriamente um pensamento, ainda que central, como a “vontade de poder”, e um projeto literário intitulado A vontade de poder, fazemos isso por conveniência de exposição e — em última análise — para demonstrar que uma operação semelhante acaba necessariamente por colocar a obra de Nietzsche sob uma luz falsa, se não a relativizarmos, colocando-a sempre de novo no contexto orgânico — o de seu “pensamento em devir” — de todas as meditações filosóficas e de todos os projetos literários de Nietzsche.
Voltemos, portanto, àqueles fragmentos que, na primavera de 1885, parecem já preparar o projeto da Vontade de Poder como obra. Em um caderno utilizado entre abril e junho de 1885, Nietzsche avança, a certo ponto, a hipótese de que é a vontade de poder que também governa o mundo inorgânico, ou – para melhor dizer – que não existe um mundo inorgânico regido pelas leis da mecânica, porque tais leis, que podem facilitar a descrição superficial do mundo externo, não conseguem eliminar a “ação à distância”, que é o fato fundamental (“algo atrai outra coisa, que se sente atraída”). Essa vontade de poder — observa ainda Nietzsche —, para se manifestar, precisa necessariamente perceber as coisas que atrai, ela sente, se algo assimilável se aproxima dela (FP, 34, 1885). Aqui não nos interessa a fundamentação teórica desse fragmento, mas o fato de Nietzsche estender a vontade de poder ao mundo inorgânico (em Zarathustra, ele havia falado apenas de “seres vivos”). Pouco depois, em um caderno de maio-julho de 1885, encontramos um fragmento intitulado Notas para o plano. Introdução. Trata-se de um plano que não se refere a nenhum título de obra e que desenvolve inicialmente o pensamento da vontade de poder no mundo vivo. As funções orgânicas devem ser retraduzidas na vontade de poder: dela descendem, separando-se, o “pensar, sentir, querer em cada ser vivo”. A vontade de poder também se especializa como vontade de nutrição, de posse, de instrumentos, de servos. Um sistema de obediência e comando reina no corpo humano (que para Nietzsche é, neste momento, o único fio condutor confiável para uma investigação da realidade). “A vontade mais forte guia a mais fraca. Não existe outra causalidade senão aquela entre vontade e vontade”, diz Nietzsche, voltando à crítica do causalismo mecanicista. Finalmente, também as funções intelectuais são vontade de poder, na medida em que são vontade de imprimir uma forma (Wille zur Gestaltung) e de tornar as coisas semelhantes (Wille zur Anähnlichung) (FP, 35, 1885). Temos, portanto, neste caso, uma Introdução a uma obra não especificada, e o tema desta Introdução é a “vontade de poder”. No mesmo caderno, em um fragmento singular até então desconhecido, é tratada a relação entre “vontade de poder” e “pessoa”. O fragmento é intitulado (com referência à teoria do eterno retorno do idêntico) A propósito do anel dos anéis:
“Um lado interior, uma espécie de caráter de Proteu-Dionísio, que se dissimula e se deleita na transformação, pertence à energia que se transforma e permanece sempre a mesma. A “pessoa” deve ser entendida como uma ilusão: na verdade, a hereditariedade é a objeção capital, pois um número enorme de energias formadoras desde os tempos mais remotos constituem sua consistência permanente: na verdade, essas forças lutam dentro da pessoa e são governadas e domadas por ela — uma vontade de poder passa através das pessoas; ela precisa da “redução” da perspectiva, do “egoísmo”, como condição de existência temporária; a partir de cada degrau, a vontade de poder olha para um degrau superior. A redução do princípio eficiente à “pessoa”, ao indivíduo” (35).
Aqui, a vontade de poder parece ser avaliada por Nietzsche, por assim dizer, em sua capacidade de se colocar, em analogia à “vontade de viver” de Schopenhauer, como a coisa em si que, através do principium individuationis, se manifesta como pluralidade de pessoas. Mas, apesar da perentoriedade da afirmação, Nietzsche não parece convencido dessa hipótese. Além disso, o fragmento de que falamos foi riscado a caneta pelo próprio Nietzsche, por isso tendemos a acreditar que Nietzsche não estava totalmente satisfeito com esta formulação da sua teoria da vontade de poder. Consideremos, então, este fragmento como uma importante formulação provisória, tendente a resolver o problema, existente no pensamento de Nietzsche, da relação entre a doutrina do eterno retorno das mesmas coisas e a da vontade de poder. Isso é confirmado pela formulação dessa relação em um fragmento análogo um pouco posterior: trata-se de um fragmento muito famoso, porque foi colocado pelos compiladores da Vontade de Poder (a obra que – como veremos mais adiante – Nietzsche nunca escreveu) no final de sua edição (notemos desde já a arbitrariedade cronológica: este fragmento é de junho-julho de 1885, ou seja, remonta a um período em que Nietzsche ainda não havia decidido escrever uma obra com esse título). O fragmento diz:
“E você quer saber o que é ‘o mundo’ para mim? Devo mostrá-lo no meu espelho? Este mundo: uma imensidão de força, sem princípio, sem fim, uma grandeza fixa, ferro de força, que não se torna maior nem menor, que não se consome, mas apenas se transforma, como totalidade imutável da mesma grandeza, um balanço sem despesas e sem perdas, mas também sem acréscimos, sem receitas, circundado pelo “nada” como por sua fronteira, nada evanescente, dissipado, estendido ao infinito, encaixado como uma força bem determinada em um espaço determinado, e não um espaço em algum lugar “vazio”, mas como força em todos os lugares, como jogo de forças e ondas energéticas, um e “muito” ao mesmo tempo, que, enquanto se acumula de um lado, do outro diminui, um mar de forças em si mesmas tempestuosas e flutuantes, em eterna transformação, em eterno recurso, com anos imensos de retorno, com fluxo e refluxo de suas formas, empurrando-as violentamente da simplicidade para a mais variada multiplicidade, da quietude e da fixidez e da máxima frieza para a incandescência, para a mais selvagem desenfreada, para a máxima contradição, para depois voltar da superabundância à simplicidade, do jogo das contradições de volta ao prazer da uníssono, em contínua afirmação de si mesmo também nesta identidade de seus anos orbitais, e abençoando a si mesmo como aquilo que eternamente não pode deixar de retornar, como um devir que não conhece saciedade, aborrecimento, cansaço –: este meu mundo dionisíaco de eterna autocriação, de eterna autodestruição, este mundo misterioso de volúteis duplos, este meu além do bem e do mal, sem meta, a menos que na felicidade do círculo não haja uma meta, sem vontade, a menos que um anel não tenha a boa vontade de si mesmo – vocês querem um nome para este mundo? uma solução para todos os seus enigmas? uma luz também para vocês, que são os mais ocultos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais noturnos? – Este mundo é a vontade de poder – e nada além disso! E vocês mesmos são essa vontade de poder – e nada além disso!” (FP, 38, 1885).
Este fragmento, que é certamente um dos exemplos mais notáveis da prosa nietzschiana, tinha originalmente outro final no qual Nietzsche, em vez de enunciar a identidade entre eterno retorno e vontade de poder, caracterizava, quase tautologicamente, o mundo circunscrito da força circunscrita em um tempo infinito como mundo do eterno retorno, como “anel dos anéis” a ser aceito e abençoado por quem o contemplasse. A correção representa aqui uma mudança decisiva, porque abre caminho para a união dos dois filosofemas que dominam o pensamento de Nietzsche desde Zarathustra. Na verdade, a nova formulação precisa melhor (sem cedências metafísicas a Schopenhauer) o que Nietzsche queria dizer no fragmento posteriormente cancelado que citamos anteriormente.
Mas vamos agora ver como Nietzsche chega a se propor a tarefa de escrever uma obra intitulada A vontade de poder. Isso ocorre aproximadamente em agosto de 1885. Em um caderno dessa época, encontramos o seguinte título: “A vontade de poder / Tentativa / de uma nova interpretação / de todo o acontecer” (FP, 39, 1885).
Parece-nos, mesmo após os poucos exemplos citados (que poderiam ser multiplicados), que este título resume as meditações anteriores e representa o próximo programa de trabalho de Nietzsche. Todo o acontecer (que está incluído no ciclo do eterno retorno) pode ser interpretado como vontade de poder. Mas a partir da enunciação plástica, dionisíaca, se assim quisermos, Nietzsche sente agora a necessidade de voltar à formulação teórica particular. Isso ocorre imediatamente depois, em uma série de fragmentos contíguos entre si, nos quais Nietzsche agora esboça o conteúdo dos capítulos de sua obra, agora indica aleatoriamente os temas a serem desenvolvidos. A nutrição, a geração, a adaptação ao ambiente, a hereditariedade, a divisão do trabalho devem ser atribuídos à vontade de poder, e assim também o prazer e a dor devem ser analisados em sua relação com a vontade de poder; o mesmo se aplica ao conhecimento; o corpo deve fornecer o fio condutor dessa análise; a vontade de verdade, a vontade de justiça, a vontade de beleza, a vontade de ajudar os outros — todas elas nada mais são do que vontade de poder (39 e 39). Segue-se uma espécie de Prefácio e uma Introdução. No primeiro, Nietzsche propõe uma interpretação do mundo que não depende da moral (para Nietzsche, falar de leis da natureza significa transportar representações morais para a natureza); o ateísmo, a negação de Deus, representa uma elevação do homem, mas, acrescenta Nietzsche, se Deus – ou seja, a interpretação moral do mundo – é refutado, o demônio – que é a expressão popular para uma interpretação imoralista da realidade – não o é de forma alguma. Na Introdução, Nietzsche se detém em outro motivo, destinado a se tornar central nas abordagens posteriores da obra sobre a vontade de poder: ele ressalta que não é o pessimismo (que, em última análise, é uma forma de hedonismo) o verdadeiro grande perigo, mas a “falta de sentido”, a “insensatez” (Sinnlosigkeit) de tudo o que acontece. Com o fim da interpretação religiosa, também caiu a interpretação moral, mas os pensadores modernos ou não percebem isso ou não querem admitir e continuam, mesmo sendo ateus, como Schopenhauer, a atribuir um significado moral ao mundo. A moral e Deus, porém, se sustentavam mutuamente: com a queda de um, o outro também desabou. Nietzsche propõe-se a interpretar o mundo de forma “imoral”, de modo que a moral do passado não seja mais do que um caso particular de uma interpretação global (que, portanto, mais do que “imoral”, será extramoral) (39 e 39).
A nova interpretação de tudo o que acontece se especifica em uma regressão do pensar, sentir e querer às avaliações, que por sua vez correspondem aos nossos instintos, os quais são redutíveis à vontade de poder, que é o último fato ao qual é possível remontar (ou descer) (40).
Em uma Prefácio fragmentária, lemos: “Sob o título não inofensivo ‘A vontade de poder’, deve aqui chegar à expressão uma nova filosofia ou, para falar mais claramente,
a tentativa de uma nova interpretação de tudo o que acontece: como é justo apenas de forma provisória e experimental, como preparação e pergunta preliminar, como prelúdio de algo sério, para o qual são necessários ouvidos iniciados e eleitos, o que, aliás, deveria ser mais do que óbvio sempre que um filósofo começa a falar em público…» (40 ).
Imediatamente depois, em outro fragmento, Nietzsche se preocupa em precisar que, para ele, não existem Erscheinungen (“aparências”, “fenômenos”) opostas à essência das coisas, ele não quer que a “vontade de poder” seja entendida como um noumeno. Para Nietzsche, a aparência é a verdadeira e única realidade das coisas, a aparência não se opõe à “realidade”; pelo contrário, a aparência é a realidade que não se deixa transformar em um mundo imaginário da verdade, a aparência em sua multiplicidade e riqueza é inacessível aos procedimentos e às distinções da lógica. Um nome determinado para essa aparência-realidade — acrescenta Nietzsche — poderia ser “vontade de poder”, que seria uma definição dessa realidade a partir de dentro e não a partir de sua natureza proteiforme e indescritível (40). Seguindo essa linha de interpretação da realidade, compreende-se também por que Nietzsche chega, em anotações um pouco posteriores às citadas até agora, a falar da “vontade de poder” não apenas como do “desejo fundamental” ao qual – como ele havia dito antes – se desce como ao fato fundamental, mas também de uma multiplicidade de “vontades de poder” (portanto, não uma única vontade de poder que se fragmenta na identificação), e isso também no homem. Lemos:
«O homem como uma pluralidade de “vontades de poder”: cada uma com uma pluralidade de meios expressivos e de formas. As paixões individuais “presumidas” (por exemplo, quando se diz: o homem é cruel) são apenas unidades fictícias, na medida em que o que dos vários instintos fundamentais entra na consciência como homogêneo é condensado sinteticamente em um “ser” ou em uma “faculdade”, em uma paixão. Da mesma forma, portanto, a alma não é mais do que uma “expressão” para todos os fenômenos da consciência, que nós, porém, interpretamos como a “causa de todos esses fenômenos” (FP, 1, 1885-1886).
Dedicamos bastante tempo a esta primeira fase da história da Vontade de Poder como intenção literária e quisemos destacar alguns aspectos essenciais (não todos) das meditações de Nietzsche, porque esses aspectos retornarão, embora amplamente modificados e com ênfases diferentes, e também com mudanças na terminologia, nos planos posteriores. Deve-se dizer, na verdade, que durante um certo período, ou seja, do final do verão de 1885 até o verão de 1886, o projeto da Vontade de Poder, que reencontramos na primavera de 1886 com o subtítulo Tentativa de uma nova interpretação do mundo (2), não é privilegiado em relação a outros títulos e projetos (todos são, em certa medida, intercambiáveis entre si). Somente no verão de 1886 ocorre uma virada decisiva nos projetos de Nietzsche. Em Sils-Maria, ele escreve (e data precisamente “Sils-Maria, verão de 1886”) um novo título (ou melhor, o antigo título com um novo subtítulo), que manterá até 26 de agosto de 1888. O novo plano encontra-se em um grande caderno, no qual Nietzsche transcreveu muito material para a redação de Além do bem e do mal e para outras publicações daqueles anos.
A VONTADE DE PODER
Tentativa
de uma reavaliação de todos os valores
Em quatro livros.
Primeiro livro: O perigo dos perigos (descrição do niilismo, como a consequência necessária das avaliações até hoje).
Segundo livro: Crítica dos valores (da lógica, etc.).
Terceiro livro: O problema do legislador (aqui, a história da solidão). Como devem ser os homens que subvertem os valores? – Homens que possuem todas as qualidades da alma moderna, mas são tão fortes que as transformam em saúde.
Quarto livro: O martelo é o meio para a realização de sua tarefa.
Sils-Maria, verão de 1886 (2).
É o problema dos valores que neste esboço é colocado em primeiro plano: os valores devem ser reavaliados, isto é o que significa a fórmula “Umwertung aller Werte”, que agora é o subtítulo constante de todos os planos da Vontade de poder. Já um ano antes, em junho-julho de 1885, Nietzsche havia falado da necessidade de preparar uma Umkehrung der Werte, uma subversão dos valores, como a tarefa principal dos espíritos livres: para esse fim, era necessário reabilitar uma série de instintos caluniados e reprimidos, contra os ideais gregários, contra a hipocrisia moralista, contra o pessimismo idealista da era moderna (FP, 37, 1885). Agora, Nietzsche coloca no início de suas meditações “o perigo dos perigos”, ou seja, o niilismo, no qual a interpretação moral-cristã da vida necessariamente desemboca. O perigo iminente é o da falta de significado, da insensatez de toda a existência. Consequências niilistas derivam das ciências, da política (nacionalismo e anarquismo são mencionados juntos), da história; e também a arte prepara (com Wagner) o niilismo. Agora, o objetivo de Nietzsche não é mais uma nova interpretação de tudo o que acontece, mas (quase vem à mente a famosa décima primeira tese de Marx sobre Feuerbach) a reversão, a subversão, a transmutação, a reavaliação, enfim, a Umwertung de todos os valores. A temática do niilismo e de sua superação torna-se assim central em todas as anotações de Nietzsche a partir do verão de 1886. Quanto ao projeto literário da Vontade de Poder, notamos que a quadripartição se mantém na esmagadora maioria dos planos que se encontram gradualmente para marcar, como pontos de referência, de balanço e de novo começo, o curso das meditações de Nietzsche. O primeiro livro é dedicado à descrição do niilismo, o segundo à crítica dos valores (ou da moral), o terceiro à vontade de poder como determinante da subversão dos valores, o quarto livro já está aqui – e ainda mais nos planos seguintes – com conteúdo não evidente. Nietzsche fala de “martelo” (que é uma metáfora para indicar o poder destrutivo e seletivo da doutrina do eterno retorno), de uma decisão terrível que deve ser provocada na Europa, que impeça a “mediocrização” do homem, à qual é preferível o ocaso, o fim (FP, 2, 1885-1886).
Nietzsche anunciou a Vontade de poder na quarta página da contracapa de Além do bem e do mal. Prelúdio de uma filosofia do futuro, que foi publicado no verão de 1886. A partir de agora, é legítimo falar da intenção de Nietzsche de publicar uma obra em quatro livros sob o título A vontade de poder. Reavaliação de todos os valores.
