Giacóia (2021:32-34) – sentimentos e afetos
“‘Mas, se tudo é necessário, como posso eu dispor de minhas ações’? O pensamento e a crença são uma gravidade que, ao lado de todos os outros pesos, exercem pressão sobre ti e mais do que eles. Tu dizes que o alimento, o lugar, o ar, a sociedade te modificam e determinam? Ora, tuas opiniões fazem-no ainda mais, pois elas te determinam a esse alimento, lugar, ar, sociedade. — Se tu incorporas o pensamento dos pensamentos, então ele te transformará. A propósito de tudo, a pergunta: ‘isto é de tal maneira que eu o quero fazer inumeráveis vezes?’ é a maior gravidade”.). In: Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Ed. G. Colli; M. Montinari. Berlin; New York; München: de Gruyter; DTV. 1980. Band 9; p. 496.]] Em face de textos–chave como este, impõe-se a associação entre as noções de peso e gravidade, com a ambiência afetiva em torno da seriedade (Ernst —que ocupa um lugar central na genealogia dos ideais ascéticos); como circunspecção, a seriedade carrega consigo um sentimento de pesar adstrito ao passado, que, em seu todo, se torna cativo desta disposição geral de ânimo. Nas malhas desta rede semântica, a seriedade é, então, decodificada como gravidade, e remetida a pesar, a arrependimento e remorso, a afetos aflitivos, opressivos e angustiantes, à procura de resolução.
Já no período de composição de Aurora, à vista da alternativa teórica entre determinismo e liberdade, Nietzsche se preocupava com o sentido ético de sua obra: se, como pareciam indicar as ciências da natureza, tudo o que ocorre é resultado de uma necessidade inflexível, então que sentido pode ter qualquer pretensão ética? Já em anotações preparatórias para Aurora e depois transpostas para o interior do livro, Nietzsche reflete intensamente sobre essa questão. Por detrás de nossos pensamentos, conceitos e fundamentações, escreveu ele então, encontram-se sentimentos e afetos, inclinações e aversões; mas, também por detrás dos sentimentos e afetos encontram-se, por sua vez, juízos. Sendo assim, argumentar com sentimentos não implica demonstrar algo determinante em derradeira instância, pois sentimentos nada têm de originário: por detrás deles encontram-se sempre, segundo Nietzsche, juízos e apreciações, cuja protoforma são inclinações e aversões incorporadas e herdadas.
Sentimentos e afetos são, pois, netos de juízos — com frequência de falsos juízos, e, em todo caso, não de juízos que nos sejam próprios ]. Por essa razão, pela qual se torna imprescindível uma terapia dos afetos, capaz de conduzir a uma reforma do entendimento, com capacidade de retroação sobre a esfera emocional dos sentimentos —tudo isso com vistas a uma descoberta de Si, um retorno a um autêntico Si-Mesmo. Na filosofia madura de Nietzsche, esse despertamento tomará a forma do tornar-se quem se é, condição na qual figura como subtítulo de Ecce Homo.
