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Michel Henry (Marx) – determinação

Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011.

A vida monádica constitui a segunda pressuposição da análise econômica de Marx, diferindo radicalmente da concepção romântica da vida como totalidade fluida ou alma do mundo que transcende os seres individuais; para Marx, a vida é a totalidade imanente do indivíduo, a sua ipseidade absoluta que se experimenta a si mesma na imediatez da sua afecção, sem a mediação da negação ou da exterioridade da consciência.

A influência de Ludwig Feuerbach é decisiva para a compreensão da vida como determinação e como verdade: ao afirmar que a verdade não é o pensamento abstrato, mas a vida e o homem, Feuerbach fornece a Marx o primeiro esboço de uma ontologia da imanência onde a vida é a sua própria lei; contudo, Feuerbach compromete essa intuição ao identificar a confirmação de si da vida com a consciência e com o júbilo da perfeição objetivada, reintroduzindo a estrutura da representação no coração da imanência vital.

A filosofia da determinação em Marx, presente desde os artigos da Rheinische Zeitung sobre a liberdade de imprensa, postula que o ser nunca é o ser indeterminado da especulação, mas sempre um ser qualificado e específico; a liberdade de imprensa não é a manifestação de uma Liberdade universal abstrata, mas uma esfera específica de liberdade com as suas próprias leis internas, irredutível à liberdade de indústria ou de propriedade; o erro da abstração consiste em ignorar as diferenças específicas e em aplicar as leis de uma esfera inferior a uma esfera superior, como quando se quer julgar a imprensa pelos critérios do comércio.

A crítica de Marx a Max Stirner em A Ideologia Alemã aprofunda a ontologia da vida ao rejeitar a cisão do indivíduo em “criador” e “criatura”, “instinto” e “reflexão”; a vida não pode ser objeto de uma negação real por parte da consciência, pois a negação é uma operação ideal que deixa a realidade intacta; o indivíduo não pode separar-se de si mesmo para se opor a uma das suas propriedades (como o pensamento ou a paixão) sem que essa oposição seja apenas uma representação ideal; na realidade da vida, a paixão só pode ser limitada por outra paixão real e não pela pura negatividade da vontade.

A distinção radical entre as determinações da vida (necessidade, trabalho, prazer) e as determinações da consciência (representação, vontade, ideal) implica que a alienação não é um processo lógico de cisão interna do sujeito, mas uma condição real onde as potências da vida são separadas da sua realização imanente pela divisão do trabalho; a crítica ao “interesse” burguês revela que este é uma mediação reflexiva que se interpõe entre a vida e a sua manifestação imediata, substituindo a espontaneidade vital pelo cálculo e pela representação.

O conceito de necessidade (Bedürfnis) em Marx não designa uma falta ou uma negatividade, mas a força positiva e a tensão imanente da vida que tende para a sua própria efetuação; a satisfação não é a supressão da necessidade, mas a sua realização; o trabalho é, originariamente, uma modalidade dessa auto-afirmação vital, e só se torna um fardo e uma maldição quando separado da sua finalidade interna e imposto como uma condição externa de sobrevivência.

A unidade das diferentes esferas da realidade (direito, arte, religião, economia) não é assegurada por uma causalidade mecânica externa (infraestrutura/superestrutura), mas pela identidade do naturante que as produz: a vida subjetiva dos indivíduos; as formas ideológicas e institucionais são expressões da vida, e a sua verdade reside na sua genealogia a partir da práxis vital; a lei, por exemplo, só é verdadeira quando é a expressão consciente das leis intrínsecas e vitais dos atos humanos, tornando-se uma forma opressiva quando se separa da vida e se impõe como uma norma exterior.

A rejeição da dialética da negatividade (o esquema da kénosis ou da negação da negação) como motor da história deve-se à descoberta da positividade imanente da vida; a libertação não é a negação de uma barreira, mas o desenvolvimento positivo de uma potência; a história não avança pela destruição, mas pela expansão das forças produtivas que são forças da vida; a revolução não é um momento de pura negatividade, mas a afirmação de uma nova forma de vida que já se desenvolveu no seio da velha sociedade.

A definição da realidade como vida determinada e monádica é a condição de possibilidade da crítica da economia política; a economia surge como a esfera onde a vida é negada na sua imanência e submetida a leis estranhas (as leis do valor, do mercado, do capital); a “realidade” econômica é, paradoxalmente, a irrealidade da vida, a sua inversão fantasmagórica em coisas e em relações entre coisas; a tarefa da crítica é reconduzir essas formas objetivadas à sua origem na subjetividade viva do trabalho e da necessidade.

A crítica ao humanismo especulativo (que substitui os indivíduos reais pelo “Homem” ou pela “Consciência de Si”) é o reverso da afirmação da individualidade irredutível; o indivíduo não é um exemplar do gênero, mas a realidade única e insubstituível onde se joga o destino do ser; o comunismo, para o Marx maduro, não é a dissolução do indivíduo na comunidade, mas a forma social que permite o pleno desenvolvimento da individualidade, onde a riqueza não é a acumulação de mercadorias, mas a universalidade das necessidades e das capacidades dos indivíduos.

A relação entre a vida e a lei é pensada analogamente à relação entre a saúde e a doença: a lei externa (censura, Estado policial) é uma doença da vida, uma restrição imposta de fora que nega o caráter interior e autônomo do desenvolvimento vital; a verdadeira lei é a lei imanente da própria vida, a sua norma interna de crescimento e expansão; uma sociedade livre é aquela onde a lei do Estado se desvanece diante da vida dos homens como uma vida de liberdade, tal como as leis físicas só se tornam um peso quando o corpo está doente.

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