Michel Henry (Marx) – a mitologia da história
Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011.
O conceito de revolução e o conceito de proletariado em Marx não designam realidades empíricas particulares ou limitadas no tempo, mas constituem a condição de possibilidade e o sentido da história entendida como aventura metafísica onde a finitude é suprimida na realização total; o proletariado, definido como o grande dignitário dos interesses revolucionários, é a classe que, ao negar-se a si mesma, realiza o advento do universal e marca o fim da pré-história humana, inaugurando a verdadeira história onde o homem se reconquista através da sua completa perdição.
A temporalidade da história, estruturada pela revolução, não é o tempo homogêneo da evolução linear ou do progresso contínuo, onde cada geração acrescenta algo à anterior num processo cumulativo; pelo contrário, o tempo histórico é revolucionário e dialético, caracterizando-se pelo desenvolvimento do contrário e do obstáculo, pela lenta edificação da barreira cuja ruptura brusca libertará o ser em sua plenitude; o presente histórico é, portanto, um tempo de aflição e de queda, onde o sofrimento universal anuncia a redenção iminente e onde o passado se converte subitamente em futuro através da catástrofe salvadora.
A concepção apocalíptica e messiânica da história em Marx é tributária da metafísica alemã e do romantismo, recuperando temas religiosos secularizados como o da parusia e da nova Jerusalém; tal como no Prefácio da Fenomenologia do Espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, onde o espírito trabalha silenciosamente até que o novo mundo surja num relâmpago, a introdução de 1844 reflete a exigência de uma presença total (Gegenwärtigkeit) do absoluto na história, concebendo a revolução como um apocalipse da cidade política que realiza o reino de Deus na terra.
A ideia de que a realização do ser passa pela mediação do contrário encontra-se também na última filosofia de Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling, onde o Grund (fundamento) não é uma origem positiva, mas um princípio ilegítimo que deve ser negado para que a positividade emerja; essa estrutura, denominada por Schelling como a “ironia de Deus”, manifesta-se exemplarmente na cruz de Cristo e revela que a história é um processo onde o verdadeiro se disfarça no seu oposto, construindo pacientemente aquilo que irá destruir, uma lógica que Marx transpõe para a análise das lutas de classes, vendo na ação da burguesia a preparação inconsciente da sua própria ruína.
A ironia da história em Marx, ilustrada na análise do período revolucionário de 1848-1851 e no 18 de Brumário de Luís Bonaparte, demonstra como a revolução utiliza os seus adversários para aperfeiçoar os instrumentos da sua própria destruição; a burguesia, ao fortalecer o poder executivo e ao suprimir as suas próprias liberdades parlamentares para conter o proletariado, trabalha sem saber para o triunfo final da revolução proletária, criando as condições institucionais e materiais que permitirão ao proletariado herdar e transformar o Estado.
A necessidade da realização de todos os possíveis (Alles Mögliche soll kommen) na filosofia de Schelling fornece o fundamento metafísico para a compreensão marxiana da história como o desdobramento completo de todas as virtualidades e contradições; a história não exclui, mas esgota os possíveis, levando cada forma social e política ao seu limite extremo de desenvolvimento e tensão antes de suprimi-la, operando como um fogo purificador que consome todas as etapas intermediárias e não deixa nada pela metade, justificando assim a existência do mal e do obstáculo como momentos necessários da revelação total da verdade.
A história é concebida como o tribunal do mundo (Weltgericht), o lugar onde a verdade se manifesta através da objetivação completa do ser e onde cada entidade particular é julgada e medida pela sua capacidade de expressar o universal; os personagens e as classes históricas são apenas figuras provisórias do absoluto, condenadas a desaparecer ou a repetir-se como farsa quando o seu tempo se esgota, tal como Napoleão III em relação a Napoleão I, o que revela que a história marxista, sob a aparência materialista, obedece à lógica hegeliana da manifestação e do julgamento do espírito.
A invasão das categorias estéticas e teológicas na análise histórica de Marx evidencia-se na descrição da luta de classes como um combate espiritual e uma tragédia onde o apodrecimento é o laboratório da vida; no entanto, a aplicação do esquema da negação redentora à história técnica e econômica, caracterizada pelo aperfeiçoamento instrumental e pela continuidade cumulativa, constitui uma metábasis eis allo genos (transferência para outro gênero) que impõe à realidade positiva uma estrutura de aniquilação e regeneração que lhe é estranha, transformando o desenvolvimento das forças produtivas numa teodiceia da alienação.
A crítica marxista ao moralismo, que rejeita a imposição de normas ideais à realidade em nome de um movimento real que suprime o estado atual, repousa paradoxalmente sobre a identificação prévia desse movimento real com o esquema lógico da negação da negação; ao afirmar que o comunismo não é um ideal, mas o movimento efetivo da história, Marx pressupõe dogmaticamente que a história empírica obedece à mesma lei de desenvolvimento da ideia absoluta, confundindo a realidade dos fatos com a estrutura da idealidade dialética e reintroduzindo sub-repticiamente a teleologia que pretendia abolir.
A identificação do presente histórico com o momento crucial da contradição dialética pressupõe uma homogeneidade ontológica secreta entre a história real e o processo lógico da ideia, o que torna a distinção entre materialismo e idealismo problemática; se a dialética transferida para a matéria continua a operar segundo as leis da constituição da idealidade e da consciência de si, então o materialismo histórico não é a inversão, mas a realização final do idealismo hegeliano, onde a história profana é lida como a fenomenologia do espírito que retorna a si mesmo através da alienação na matéria.
A concepção dialética da história, ao transformar as determinações ideais em regulações constitutivas do real, mantém a estrutura do hegelianismo e impede a apreensão da especificidade ontológica da realidade material e social; a crítica da economia política e a análise do capital, embora pretendam fundar uma ciência positiva, permanecem assombradas pela lógica da essência e da manifestação, onde o valor se autovaloriza e o capital se torna o sujeito automático de um processo que mimetiza o movimento do conceito hegeliano.
