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Merleau-Ponty (FP) – juízo

(MPPF)

O próprio Kant mostra, na Crítica do Juízo, que há uma unidade entre a imaginação e o entendimento, uma unidade entre os sujeitos antes do objeto, e que na experiência do belo, por exemplo, eu experimento um acordo entre o sensível e o conceito, entre mim e o outro, que é ele mesmo sem conceito. Prefácio

Mas, se existe uma natureza do sujeito, então a arte escondida da imaginação deve condicionar a atividade categorial; não apenas o juízo estético, mas também o conhecimento repousa nela, é ela que funda a unidade da consciência e das consciências. Prefácio

Husserl retoma a Crítica do Juízo quando fala de uma teleologia da consciência. Prefácio

Esses casos em que o fenômeno não adere ao estímulo devem ser mantidos no quadro da lei de constância e explicados por fatores adicionais — atenção e juízo — ou então é preciso rejeitar a própria lei? Quando o vermelho e o verde, apresentados em conjunto, dão uma resultante cinza, admite-se que a combinação central dos estímulos pode imediatamente dar lugar a uma sensação diferente daquilo que exigiriam os estímulos objetivos. Intro I

Nós o veremos melhor examinando o papel que a noção de juízo desempenha em sua análise. Intro III

O juízo é frequentemente introduzido como aquilo que falta à sensação para tornar possível uma percepção. Intro III

O intelectualismo vive da refutação do empirismo e nele o juízo tem frequentemente a função de anular a dispersão possível das sensações. Intro III

Continua sendo possível que a teoria da percepção, se idealmente parte de uma intuição cega, chegue por compensação a um conceito vazio, e que o juízo, contrapartida da sensação pura, recaia em uma função geral de ligação indiferente aos seus objetos, ou até mesmo volte a ser uma força psíquica revelável por seus efeitos. Intro III

Definida a visão à maneira empirista como a posse de uma qualidade inscrita no corpo por um estímulo, a menor ilusão, já que dá ao objeto propriedades que ele não tem em minha retina, basta para estabelecer que a percepção é um juízo. Intro III

Mas também o juízo, introduzido para explicar o excesso da percepção sobre as impressões retinianas, em lugar de ser o próprio ato de perceber apreendido do interior por uma reflexão autêntica, volta a ser um simples “fator” da percepção, encarregado de fornecer aquilo que o corpo não fornece — em lugar de ser uma atividade transcendental, ele volta a ser uma simples atividade lógica de conclusão. Intro III

Enquanto o juízo perde sua função constituinte e torna-se um princípio explicativo, as palavras “ver”, “ouvir”, “sentir” perdem qualquer significação, já que a menor visão ultrapassa a impressão pura e assim volta a ficar sob a rubrica geral do “juízo”. Intro III

Entre o sentir e o juízo, a experiência comum estabelece uma diferença bem clara. Intro III

O juízo é para ela uma tomada de posição, ele visa conhecer algo de válido para mim mesmo em todos os momentos de minha vida e para os outros espíritos existentes ou possíveis; sentir, ao contrário, é remeter-se à aparência sem procurar possuí-la ou saber sua verdade. Intro III

Essa distinção se apaga no intelectualismo, porque o juízo está em todas as partes em que não está a pura sensação, quer dizer, em todas as partes. Intro III

Mas a alternativa entre a sensação e o juízo obriga a dizer que a mudança da figura, não dependendo dos “elementos sensíveis” que, como os estímulos, permanecem constantes, só pode depender de uma mudança na interpretação e que, enfim, “a concepção do espírito modifica a própria percepção”, “a aparência adquire forma e sentido no comando”. Intro III

Ora, se se vê aquilo que se julga, como distinguir a percepção verdadeira da percepção falsa? Como se poderá dizer, depois disso, que o alucinado ou o louco “acreditam ver aquilo que não veem de forma alguma”? Onde estará a diferença entre “ver” e “crer que se vê”? Se se responde que o homem não só julga segundo signos suficientes e sobre uma matéria plena, é porque há então uma diferença entre o juízo motivado da percepção verdadeira e o juízo vazio da percepção falsa, e, como a diferença não está na forma do juízo mas no texto sensível que ele põe em forma, perceber no sentido pleno da palavra, que se opõe a imaginar, não é julgar, é apreender um sentido imanente ao sensível antes de qualquer juízo. Intro III

O fenômeno da percepção verdadeira oferece portanto uma significação inerente aos signos, e do qual o juízo é apenas a expressão facultativa. Intro III

É essa significação aderente à figura, essa transformação do fenômeno, que motiva o juízo falso e está, por assim dizer, atrás dele. Intro III

É ela, ao mesmo tempo, que restitui um sentido à palavra “ver”, para aquém do juízo, para além da qualidade ou da impressão, e faz reaparecer o problema da percepção. Intro III

Se se admite chamar de juízo toda percepção de uma relação, e reservar o nome de visão à impressão pontual, então seguramente a ilusão é um juízo. Intro III

Ora, a primeira fase é de pura conjectura e, com ela, o juízo que forma a segunda. Intro III

O juízo, neste sentido muito geral e inteiramente formal, só explica a percepção verdadeira ou falsa se ele se guia pela organização espontânea e pela configuração particular dos fenômenos. Intro III

Existe ali, para aquém das relações objetivas, uma sintaxe perceptiva que se articula segundo regras próprias: a ruptura das relações antigas, o estabelecimento de relações novas, o juízo exprimem apenas o resultado dessa operação profunda e são sua constatação final. Intro III

A concepção do juízo como força psíquica ou como mediação lógica e a teoria da percepção como “interpretação” — este intelectualismo dos psicólogos — são com efeito apenas uma contrapartida do empirismo, mas preparam uma verdadeira tomada de consciência. Intro III

Talvez ainda não tenhamos compreendido a verdadeira função do juízo na percepção. Intro III

A percepção é um juízo, mas que ignora suas razões, o que significa dizer que o objeto percebido se dá como todo e como unidade antes que nós tenhamos apreendido a sua lei inteligível, e que originariamente a cera não é uma extensão flexível e mutável. Intro III

Dizendo que o juízo natural não tem “tempo para pesar e considerar quaisquer razões”, Descartes dá a entender que, sob o nome de juízo”, ele visa a constituição de um sentido do percebido que não é anterior à própria percepção e parece sair dela. Intro III

O “juízo natural” não é senão o fenômeno da passividade. Intro III

O “juízo natural” do intelectualismo antecipa agora aquele juízo kantiano que faz nascer no objeto individuell o seu sentido, e não o fornece inteiramente feito. Intro III

Tal seria este juízo natural, que ainda não pode conhecer suas razões já que ele as cria. Intro III

No plano da psicologia, a crítica da “hipótese de constância” significa apenas que se abandona o juízo como fator explicativo na teoria da percepção. Intro III

Assim, o objeto à distância e sua projeção física nas retinas explicam a disparidade das imagens e, por uma ilusão retrospectiva, nós falamos, com Malebranche, de uma geometria natural da percepção, colocamos antecipadamente na percepção uma ciência que é construída sobre ela, e perdemos de vista a relação original de motivação, em que a distância surge antes de toda ciência, não de um juízo sobre “as duas imagens”, pois elas não são numericamente distintas, mas do fenômeno do “movido”, das forças que habitam esse esboço, que procuram o equilíbrio e que o levam ao mais determinado. Intro III

Portanto, a “sensação” e o “juízo” perderam em conjunto a sua clareza aparente: nós percebemos que eles só eram claros pela intermediação do prejuízo do mundo. Intro IV

Os predicados de valor que o juízo reflexionante lhe confere deviam ser sustentados no ser por uma primeira camada de propriedades físico-químicas. Intro IV

Se agora damos uma explicação psicológica dos fenômenos, o membro fantasma torna-se uma recordação, um juízo positivo ou uma percepção, a anosognose um esquecimento, um juízo negativo ou uma não-percepção. Intro I

Mesmo se pretendemos compreender nosso passado melhor do que ele se compreende a si mesmo, ele sempre pode recusar nosso juízo presente e encerrar-se em sua evidência autista. Intro I

Sem dúvida, responder-se-á que nossa crítica só se dirige contra um intelectualismo sumário, que assimilaria o pensamento a uma atividade simplesmente lógica, e que a análise reflexiva justamente remonta até o fundamento da predicação, encontra atrás do juízo de inerência o juízo de relação, atrás da subsunção, enquanto operação mecânica e formal, o ato categorial pelo qual o pensamento investe o sujeito do sentido que se exprime no predicado. Intro III

Os distúrbios propriamente intelectuais — aqueles do juízo e da significação — não poderão ser considerados como deficiências últimas e precisarão, por sua vez, ser recolocados no mesmo contexto existencial. Intro III

É esse o distúrbio do “pensamento” que se descobre no fundo da amnésia; vê-se que ele diz respeito menos ao juízo do que ao meio de experiência em que o juízo nasce, menos à espontaneidade do que aos pontos de apoio dessa espontaneidade no mundo sensível e ao nosso poder de figurar nele uma intenção qualquer. Intro VI

E, mesmo para que minha caminhada em torno do cubo motive o juízo “eis um cubo”, é preciso que meus deslocamentos estejam eles mesmos localizados no espaço objetivo e, longe de a experiência do movimento próprio condicionar a posição de um objeto, ao contrário é pensando meu próprio corpo como um objeto móvel que posso decifrar a aparência perceptiva e construir o cubo verdadeiro. II VI

A “geometria natural” ou o “juízo natural” são mitos, no sentido platônico, destinados a representar o envolvimento ou a “implicação” em signos que ainda não estão postos e pensados, de uma significação que também não o está, e é isso que precisamos compreender retornando à experiência perceptiva. II II

Essa mesma razão nos impedirá de tratar a constância das cores como uma constância ideal e de reportá-la ao juízo. II III

Pois um juízo que distinguisse, na aparência dada, a parte da iluminação só poderia concluir-se por uma identificação da cor própria do objeto, e nós acabamos de ver que ela não permanece idêntica. II III

O peso do objeto seria então um invariante ideal e a percepção de peso um juízo por meio do qual, colocando em relação, em cada caso, a impressão com as condições corporais e físicas nas quais ela aparece, nós discernimos, por uma física natural, uma relação constante entre essas duas variáveis? Mas isso só pode ser uma maneira de falar: nós não conhecemos nosso corpo, a potência, o peso e o alcance de nossos órgãos como um engenheiro conhece a máquina que ele construiu peça por peça. II III

Essas confissões não concluem todo debate sobre a alucinação? Já que a alucinação não é um conteúdo sensorial, só resta considerá-la como um juízo, como uma interpretação ou como uma crença. II III

A alucinação não é um juízo ou uma crença temerária pelas mesmas razões que a impedem de ser um conteúdo sensorial: o juízo ou a crença só poderiam consistir em pôr a alucinação como verdadeira, e é justamente isso que os doentes não fazem. II III

No plano do juízo, eles distinguem entre a alucinação e a percepção, em todo caso eles argumentam contra suas alucinações: ratos não podem sair da boca e tornar a entrar no estômago, um médico que ouve vozes toma um barco e rema para o alto-mar para persuadir-se de que ninguém verdadeiramente lhe fala. II III

Mas, se a alucinação não é sensorial, ela é muito menos ainda um juízo, ela não é dada ao sujeito como uma construção, não toma lugar no ‘‘mundo geográfico”, quer dizer, no ser que nós conhecemos e do qual julgamos, no tecido dos fatos submetidos a leis, mas na “paisagem” individual pela qual o mundo nos toca e pela qual estamos em comunicação vital com ele. II III

Mas se por reflexão encontro em mim mesmo, com o sujeito que percebe, um sujeito pré-pessoal dado a si mesmo, se minhas percepções permanecem excêntricas em relação a mim mesmo enquanto centro de iniciativas e de juízo, se o mundo percebido permanece em um estado de neutralidade, nem objeto verificado, nem sonho reconhecido como tal, então tudo aquilo que aparece no mundo não está no mesmo instante exposto diante de mim, e o comportamento de outrem pode figurar alt. II IV

Ela se descobriria ao mesmo tempo como consciência sensível e como consciência intelectual, como ponto de vista sobre o mundo e como chamada a ultrapassar este ponto de vista, a construir uma objetividade no nível do juízo. II IV

Sem dúvida, eu não me sinto constituinte nem do mundo natural nem do mundo cultural: em cada percepção, em cada juízo, faço intervir, seja funções sensoriais, seja montagens culturais que atualmente não são minhas. II IV

Nossa relação ao social é, assim como nossa relação ao mundo, mais profunda que qualquer percepção explícita ou qualquer juízo. II IV

Seria tão fácil quanto se acredita dissociar essas duas afirmações e manter, fora de qualquer juízo concernente à coisa vista, a evidência de meu “pensamento de ver”? Ao contrário, isso é impossível. III I

Quando Descartes nos diz que a sensação, reduzida a si mesma, é sempre verdadeira, e que o erro se introduz pela interpretação transcendente que o juízo lhe dá, ele faz ali uma distinção ilusória: para mim não é menos difícil saber se senti algo do que saber se ali existe algo, e o histérico sente e não conhece aquilo que sente, assim como percebe objetos exteriores sem se dar conta dessa percepção. III I

A “interpretação” que dou de minhas sensações deve ser motivada, e ela só pode sê-lo pela própria estrutura dessas sensações, de forma que se pode dizer indiferentemente que não existe interpretação transcendente, não existe juízo que não brote da própria configuração dos fenômenos — e que não existe esfera da imanência, nenhum domínio em que minha consciência esteja em casa e assegurada contra todo risco de erro. III I

Nós não somos, de uma maneira incompreensível, uma atividade junto a uma passividade, um automatismo dominado por uma vontade, uma percepção dominada por um juízo, mas inteiramente ativos e inteiramente passivos, porque somos o surgimento do tempo. III II

Sob a intencionalidade de ato ou tética, e como sua condição de possibilidade, encontrávamos uma intencionalidade operante, já trabalhando antes de qualquer tese ou qualquer juízo, um “Logos do mundo estético”, uma “arte escondida nas profundezas da alma humana”, e que, como toda arte, só se conhece em seus resultados. III II

Tudo se passa como se, aquém de nosso juízo e de nossa liberdade, alguém afetasse tal sentido a tal constelação dada. III III

O projeto revolucionário não é o resultado de um juízo deliberado, a posição explícita de um fim. III III

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