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Michel Henry (Marx) – materialismo dialético

Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011.

A pressuposição última e geralmente não percebida da concepção dialética da história é de natureza metafísica, consistindo na tese de que a história constitui em si e por si uma realidade substantiva, uma essência única e uma substância universal que se desdobra através de um automovimento, cuja unidade é garantida pelo conceito de Gattungswesen ou essência genérica, fazendo com que a história seja rigorosamente a História do Homem, a odisseia de uma única essência que se aliena e se reconquista, identificando o sujeito e o objeto do processo histórico numa identidade especulativa.

A unidade e a universalidade da história fundam-se na infinitude do gênero humano postulada por Ludwig Feuerbach, em oposição à finitude do indivíduo cujos saber e vontade são limitados; a história da humanidade é concebida ontologicamente como a vitória contínua sobre os limites que, numa época determinada, pareciam insuperáveis, revelando-se posteriormente como limites meramente individuais e não genéricos, de modo que é a História quem age, quem persegue fins e quem atualiza todas as virtualidades latentes na espécie, servindo-se dos indivíduos e de seus desvios como meios para a sua própria realização total.

Nos textos de 1844, a sociedade é interpretada como a realização objetiva e efetiva do gênero, o lugar onde o universal deixa de ser uma abstração celeste para se tornar concreto na terra da realidade, constituindo uma unidade anterior aos seus membros que se expressa através deles; essa concepção pressupõe a existência em si e para si do gênero, cuja manifestação subjetiva é o amor (o sentimento da perfeição do gênero na diferença dos sexos) e cuja manifestação objetiva é o trabalho e a organização social, de tal forma que cada atividade individual é reduzida a uma função de representação da essência universal.

A mutação decisiva que ocorre no pensamento de Marx em 1845, e que se cristaliza em A Ideologia Alemã, consiste na rejeição radical da ontologia hegeliana e na denúncia dos conceitos de Sociedade e História como hipóstases especulativas que não possuem realidade própria fora dos indivíduos que as compõem; ao recusar a autonomia do ser coletivo, Marx rompe com a ideia de uma substância social que determinaria os indivíduos, afirmando inversamente que, como a sociedade não existe como sujeito ou pessoa, não pode haver relação externa entre indivíduo e sociedade, mas apenas relações recíprocas entre indivíduos vivos.

A crítica a Max Stirner e aos socialistas verdadeiros explicita que a atribuição de uma inteligência própria ou de leis específicas à sociedade, distintas das leis da vida individual, é uma ficção metafísica que transforma uma palavra numa coisa; a tese de que a sociedade é depravada e por isso corrompe os indivíduos é uma inversão teológica da causalidade real, pois são as determinações efetivas da vida, do trabalho e das relações dos indivíduos que constituem a realidade social, sendo o ponto de vista que considera a sociedade como um sujeito único um ponto de vista estritamente especulativo.

A desconstrução do conceito de História como sujeito metafísico implica que a história nada faz, não possui riquezas imensas nem libra combates, sendo nada mais do que a atividade do homem perseguindo os seus próprios objetivos; contra a teleologia especulativa que vê na história a realização da verdade ou da autoconsciência, Marx afirma que a história admite pressuposições reais, sendo a primeira delas a existência de indivíduos humanos viventes, o que desloca o fundamento da análise da esfera da idealidade e do conceito para a esfera da vida fenomenológica e da necessidade.

A produção da vida material — o ato de beber, comer, alojar-se e vestir-se — é identificada como o primeiro fato histórico e a condição fundamental de toda a história, uma condição que deve ser preenchida diariamente para que os homens possam sequer fazer história; essa produção da vida, juntamente com a criação de novas necessidades e a reprodução da vida na família, constitui a estrutura transcendental da história, uma condição que é metahistórica não porque se situe fora do tempo, mas porque é a condição de possibilidade a priori de qualquer evento histórico, permanecendo como o fundamento inalterável sob todas as variações das formas sociais.

A distinção entre a história como realidade fática e a filosofia da história como teoria das condições de possibilidade dessa realidade é crucial para compreender o materialismo histórico; enquanto a ciência histórica descreve os eventos e as condições históricas determinadas (como a acumulação de capital ou o êxodo rural), o materialismo histórico elucida a fundação ontológica da história na vida e na produção, definindo a priori o objeto da ciência histórica e constituindo-a como ciência ao retirá-la da indeterminação, sem, contudo, confundir-se com ela.

A teoria da luta de classes, ao constatar que a história de todas as sociedades até o presente é a história da luta de classes, é uma proposição assertiva que pertence à ciência empírica da história construída e não ao conteúdo apodítico do materialismo histórico, pois não deriva da essência transcendental da sociedade como tal (visto que uma sociedade sem classes é possível); a confusão entre a constatação empírica do conflito e a necessidade ontológica da contradição deriva da persistência da dialética hegeliana, que inscrevia a negatividade e a oposição na própria essência do devir histórico.

A oposição radical entre as concepções de história em Hegel e Marx reside na heterogeneidade de suas pressuposições: para Hegel, as condições a priori da história são homogêneas à própria história, pois ambas são o processo de objetivação do espírito e do tempo (o devir-outro da ideia), enquanto para Marx a condição a priori da história é a vida, cuja estrutura de imanência e afetividade é irredutível ao processo de objetivação, de exteriorização ou de êxtase temporal; essa heterogeneidade implica que a história real da produção da vida não pode ser compreendida como a história da verdade ou como a fenomenologia do espírito.

A crítica implícita à analítica existencial de Martin Heidegger reside na afirmação de que a história não é o tempo, nem a temporalização extática de um projeto, nem a compreensão de si; compreender uma sociedade passada não é reativar os seus projetos ou a compreensão que ela tinha de si mesma, pois a vida real que produziu essa história — a fome, o frio, o trabalho — possui uma positividade afetiva e material que não se deixa reduzir à estrutura formal da projeção de um mundo ou do horizonte de futuro, o que estabelece uma ruptura ontológica entre a realidade histórica (a vida) e a história como ciência hermenêutica.

A transformação da história em história universal (Weltgeschichte) não é a realização de um espírito abstrato, mas um fato material resultante do desenvolvimento das forças produtivas e do mercado mundial, que coloca os indivíduos em interdependência prática; a universalidade deixa de ser uma categoria da consciência para tornar-se uma determinação da existência individual, onde o indivíduo, libertado das barreiras locais, adquire a capacidade de gozar da produção do mundo inteiro, sendo o comunismo a existência dos indivíduos ligada diretamente a essa história universal.

A rejeição da autonomia da História e da Sociedade acarreta o abandono da dialética como estrutura da realidade, pois a dialética pressupõe a unidade de uma substância que se autodesenvolve através da contradição; a partir de 1845, a dialética torna-se estranha ao materialismo histórico, uma vez que as contradições reais não são momentos lógicos de um Todo, mas conflitos entre indivíduos e grupos determinados, cujas oposições derivam das condições específicas de sua existência e não de uma lei a priori da negatividade universal.

A reinterpretação da “dialética” da propriedade privada e do proletariado exposta em A Sagrada Família demonstra que o motor da dissolução da propriedade não é uma contradição lógica, mas a afetividade da vida: o proletariado é impulsionado à revolta não por uma necessidade conceitual, mas pela miséria consciente de sua miséria, onde “consciente” não designa uma reflexão intelectual ou política, mas a imanência do sofrimento que se experimenta a si mesmo e que, na dor dessa autoafecção, quer suprimir-se; a negação é, portanto, um movimento da vida subjetiva e não um momento do conceito.

A divisão do trabalho é identificada como a raiz de todas as contradições sociais (como a oposição entre forças produtivas e relações de produção), pois ela implica a possibilidade ontológica de que as modalidades afetivas da vida — o gozo e o trabalho, a produção e o consumo — sejam separadas e adjudicadas a indivíduos diferentes; assim, toda contradição objetiva na sociedade remete a uma cisão na unidade originária da vida subjetiva, pressupondo a pluralidade das mônadas vivas e a possibilidade de que o que é vivido por um como esforço seja vivido por outro como fruição.

A tentativa do marxismo posterior, incluindo Louis Althusser e Mao Tsé-Tung, de sofisticar a dialética através de conceitos como contradição principal, secundária, antagônica ou sobredeterminada, permanece presa ao formalismo e à ideologia, pois continua a aplicar esquemas lógicos a priori à realidade, ignorando que, para Marx, a contradição nunca é primeira, mas sempre derivada das determinações concretas da vida dos indivíduos; a filosofia não pensa a partir de conceitos vazios de contradição, mas a partir da inteligência do ser que, em Marx, é a vida e não a objetividade hegeliana.

A luta de classes e as oposições históricas não são manifestações de uma dialética da matéria ou da natureza (como queria Friedrich Engels numa extensão indevida ou metábasis), nem de uma dialética da objetividade, mas fundam-se exclusivamente na dialética da subjetividade, isto é, no pathos da vida que, na sua passividade e sofrimento, gera a tensão e o movimento de superação; o materialismo histórico, ao recusar a hipóstase do universal, revela-se como uma fenomenologia da práxis individual e da vida afetiva, onde a economia política encontra o seu fundamento último não em processos materiais cegos, mas na subjetividade vivente.

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