Michel Henry (Marx) – a vida
Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011.
A segunda pressuposição da análise econômica de Marx é a vida monádica, conceito que estabelece a oposição radical entre o pensamento de Marx e o romantismo alemão (Herder, Schelling, Hegel); para Marx, a vida não é uma totalidade fluida ou uma alma do mundo que atravessa os seres, mas a vida do indivíduo, a totalidade imanente que não se abole numa potência universal.
A subjetividade em Marx é redefinida como imanência radical, rompendo com a concepção hegeliana onde a subjetividade se identifica com a negatividade da consciência e o saber da vida é a consciência da sua desgraça; a vida já não contém a negação como seu motor interno, nem o indivíduo é ultrapassado pela sua manifestação na objetividade; a manifestação da vida reside nela mesma, no experimentar-se a si mesma (sich selbst erfahren) que constitui a ipseidade do indivíduo.
A crítica à burocracia no manuscrito de 1843 prefigura essa nova ontologia ao rejeitar a separação entre forma e conteúdo: a burocracia, ao pretender ser o espírito de uma vida reduzida a matéria morta, instaura uma cisão que esvazia a forma e mata o conteúdo; contra esse dualismo (que é o dualismo entre espiritualismo e materialismo), Marx promove o conceito de uma existência cuja forma é idêntica ao seu conteúdo, ou seja, a vida que se experimenta na sua imanência afetiva.
A crítica a Max Stirner em A Ideologia Alemã aprofunda essa intuição ao mostrar a impossibilidade de introduzir a cisão no ser do indivíduo; Stirner, ao dividir o indivíduo em “criador” e “criatura”, reproduz a lógica especulativa do eu que põe e do eu que é posto, transformando a vida numa relação reflexiva de polícia interior; Marx demonstra que, se o indivíduo se comporta como criador (proprietário) da sua agitação vital, ele deixa de viver essa agitação, e a propriedade que ele afirma possuir torna-se-lhe estranha, revelando que a negação reflexiva é a morte da vida.
A negação (a atividade do “criador” stirneriano ou da consciência) é ontologicamente impotente em relação à vida; ela não pode pôr nem suprimir as determinações reais da existência (fome, paixão, talento), mas apenas representá-las; a operação dialética de negar uma propriedade opondo-lhe outra é uma ficção mental que deixa a realidade intacta; o indivíduo escapa por princípio ao poder da dialética porque a sua vida é uma positividade absoluta que não se constitui pela negação de si.
A recusa da definição do indivíduo pela vontade (seja a vontade livre da filosofia clássica ou a vontade arbitrária de Stirner) decorre da impotência da vontade separada da sua base real na vida; a vontade pura é uma veleidade idealista que se choca contra a densidade do mundo; a vontade efetiva é sempre uma vontade fundada nas necessidades e nas condições materiais da existência individual, e só nessa fundação ela adquire realidade.
O conceito de Estado é redefinido não como a encarnação de uma vontade geral independente, mas como a forma de organização da vontade dominante dos indivíduos de uma classe, determinada pelos seus interesses vitais comuns; a lei não é a expressão de uma vontade livre, mas a codificação das condições de existência de uma classe que precisa impor o seu modo de vida como norma universal.
A crítica às “robinsonadas” do século XVIII não visa negar a realidade do indivíduo, mas a sua representação ideológica como átomo social a-histórico; o indivíduo isolado é um produto histórico da dissolução das comunidades feudais e do desenvolvimento das forças produtivas, e não um dado natural; contudo, essa representação pressupõe a existência prévia dos indivíduos reais que, através da sua atividade, produzem a história e as relações sociais.
A distinção radical entre individualidade e propriedade estabelecida na polêmica contra Destutt de Tracy revela a essência ontológica do indivíduo: a individualidade é aquilo de que o eu não pode desfazer-se (sua vida, seu corpo, suas faculdades), enquanto a propriedade é, por definição, alienável; a identificação burguesa entre propriedade e personalidade é um absurdo que nega a existência dos proletários; o dinheiro, como forma suprema da propriedade, é o poder alienado que confere ao indivíduo qualidades que lhe são estranhas e contraditórias (torna o feio belo, o cobarde valente), opondo-se frontalmente à individualidade real.
A rejeição da negatividade como princípio ontológico implica o abandono das interpretações dialéticas da história, da revolução e do proletariado que caracterizavam os textos de 1844; o proletariado já não é o “representante negativo da sociedade” ou a “dissolução de todas as classes”, mas uma realidade positiva definida pelas suas condições de vida e de trabalho; a miséria e a necessidade não são figuras do não-ser, mas modalidades positivas e dolorosas da experiência vital.
A libertação não é a negação de uma barreira ou o franqueamento de um limite abstrato, mas o desenvolvimento positivo de uma potência vital, a satisfação de uma necessidade real; a concepção dialética que vê na supressão do obstáculo o momento principal é uma ilusão que toma a consequência (a queda da barreira) pela causa (o crescimento da força produtiva); a vida não avança pela negação da negação, mas pela expansão da sua própria imanência.
O “interesse” como mediação reflexiva que o burguês interpõe entre si e a sua vida (a “nariz de Bentham”) é denunciado como uma forma de alienação que separa o indivíduo da sua atividade imediata; a crítica do interesse prepara a crítica da economia política, pois a economia, ao lidar com interesses e valores, lida com formas objetivadas e reflexivas da vida, ocultando a sua base na subjetividade patética da necessidade e do trabalho.
A unidade do pensamento de Marx reside na fidelidade à intuição da realidade como subjetividade imanente (vida), que o leva a descartar sucessivamente as categorias hegelianas (Estado, Espírito, Negatividade), feuerbachianas (Gênero, Intuição) e stirnerianas (Único, Vontade, Propriedade) na medida em que estas falsificam a essência da vida ao submetê-la a mediações externas ou a abstrações ideais.
