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Michel Henry (Marx) – a genealogia das classes

Henry, Michel. Marx. vol. I. Una filosofía de la realidad. - 1a ed. - Buenos Aires : Ediciones La Cebra, 2011.

A crítica de Karl Marx à totalidade social hipostasiada, concebida como uma entidade autônoma e eficiente (sociedade-pessoa), opera-se através da redução dessa sociedade às classes que a compõem, as quais constituem os seus elementos reais e determinantes; em polêmica contra Pierre-Joseph Proudhon, Marx desmascara o “Prometeu” social como sendo, em última instância, o conjunto das relações antagônicas entre classes (operário e capitalista, camponês e proprietário), de tal modo que, suprimidas essas relações, a sociedade se desvanece num fantasma sem membros, evidenciando que a realidade social não reside numa substância mística, mas na divisão do trabalho e no conflito de classes.

A explicação da história pela luta de classes, que se tornou um dogma do marxismo, sugere que as classes não apenas determinam a estrutura e o destino da sociedade, mas também os próprios indivíduos que a compõem; segundo essa perspectiva, não são os indivíduos que fazem a história, mas as classes através deles, na medida em que a sociedade não é uma soma de indivíduos, mas a soma das relações em que estes se encontram, o que implica um primado epistemológico e ontológico da classe sobre o indivíduo e uma causalidade metonímica onde a parte é rigorosamente determinada pelo todo.

A concepção de que a classe preexiste aos indivíduos e os determina como exemplares é, contudo, rejeitada por Marx em A Ideologia Alemã como uma sobrevivência do idealismo hegeliano e da ideologia alemã, análoga à determinação do cidadão pelo Estado; Marx inverte essa relação ao afirmar que as condições de classe não são essências anteriores, mas condições pessoais que se tornaram comuns e gerais, estabelecendo uma genealogia onde a realidade da classe se dissolve na realidade das determinações subjetivas dos indivíduos vivos.

A realidade ontológica de uma classe social não é uma realidade genérica ou autônoma, mas constitui-se por um conjunto de determinações (como acordar a tal hora, realizar tal gesto de trabalho, sentir de tal maneira) que só existem na vida fenomenológica individual; não há determinação social sem um indivíduo que a viva como sua determinação singular, de modo que a classe não é uma substância, mas uma designação para a similitude de experiências vividas por uma multiplicidade de mônadas.

A generalidade das condições de classe não implica uma transformação ontológica dessas condições, que permanecem pessoais e subjetivas, mas apenas indica que conteúdos de experiência similares se produzem em indivíduos situados em situações análogas; a passagem das condições sociais reais (subjetivas e múltiplas) para a tipologia social (unidades ideais como “operariado” ou “burguesia”) opera-se através da representação, que hipostasia a similitude em identidade e cria a ilusão de uma estrutura objetiva independente dos indivíduos.

A crítica à objetividade das relações sociais é idêntica à crítica da alienação e da reificação: as condições sociais aparecem como potências objetivas e estranhas aos indivíduos apenas porque estes, através da representação, fixam as suas próprias relações pessoais como entidades ideais e necessárias; Marx denuncia o modo “objetivo” de escrever a história, que separa as condições históricas da atividade humana, como reacionário, reafirmando que o estado das coisas é sempre o estado dos homens e não pode mudar sem que estes mudem.

A gênese histórica da burguesia ilustra a genealogia da classe a partir da dispersão individual: a classe burguesa formou-se lentamente a partir de burgueses isolados que, para defenderem os seus interesses contra o feudalismo, uniram-se localmente e depois interlocalmente, transformando as suas condições de existência particulares em condições comuns; a classe não é, portanto, uma unidade originária, mas o resultado de um processo de associação e luta de indivíduos separados.

A análise dos camponeses parcelares franceses em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte confirma a tese de que a realidade original da classe pode ser uma pura multiplicidade sem união: os camponeses formam uma classe na medida em que vivem sob condições econômicas similares que os distinguem das outras classes, mas não formam uma classe na medida em que a identidade de seus interesses não cria entre eles nenhuma comunidade, união nacional ou organização política, assemelhando-se a um saco de batatas onde a unidade é apenas externa e agregativa.

É necessário distinguir rigorosamente entre o conceito original de classe (como conjunto de determinações subjetivas similares e dispersas) e o conceito completo de classe (que inclui a consciência de classe e a organização política); apenas com a tomada de consciência da similitude de interesses e com a constituição de uma vontade comum (partido, lei) é que a classe adquire uma unidade ideal e se torna um ator político, capaz de lutar pelo poder e de impor o seu interesse particular como interesse geral.

A distinção entre o indivíduo pessoal e o indivíduo de classe surge historicamente com a burguesia e a concorrência, onde as condições de vida aparecem como contingentes e elegíveis, criando a ilusão de liberdade individual; nas sociedades pré-capitalistas, a identidade entre o indivíduo e a sua função social (nobre, servo) era imediata e inseparável, enquanto na sociedade burguesa a subordinação do indivíduo à classe torna-se uma submissão a uma potência objetiva que parece exterior e acidental, embora seja, na realidade, a forma mais aguda de determinação social.

As determinações sociais, mesmo quando sentidas como impostas e acidentais pelo indivíduo (como o trabalho assalariado para o proletário), não deixam de ser subjetivas e vividas na imanência da vida; a coação social não é uma força física externa, mas a própria vida que, na sua passividade e sofrimento, experimenta a sua atividade como estranha e opressiva; a contradição entre a personalidade do proletário e a condição que lhe é imposta é uma contradição interna à sua subjetividade, sentida por ele mesmo, e é essa experiência afetiva da contradição que motiva a luta pela supressão da condição proletária.

A produção das relações sociais é idêntica à produção da vida pelos indivíduos: ao produzirem a sua vida material, os homens produzem também as formas de intercâmbio e as relações sociais em que essa produção ocorre; consequentemente, não há uma causalidade linear das condições sobre os indivíduos, nem uma simples causalidade recíproca (que manteria a exterioridade dos termos), mas uma inmanência radical onde as circunstâncias são feitas pelos homens tanto quanto os homens são feitos pelas circunstâncias, sendo a “determinação” social uma síntese passiva na qual cada geração herda e repete a atividade das gerações precedentes.

A história humana é, em última análise, a história do desenvolvimento individual dos homens, e a transmissão das forças produtivas e das relações sociais de uma geração para outra não é a transferência de uma estrutura objetiva morta, mas a retomada viva de uma atividade por outra atividade; a ilusão da autonomia das estruturas sociais e econômicas dissipa-se quando se reconduz a história à sua única base real: o comportamento pessoal e recíproco dos indivíduos vivos que criam e recriam diariamente as suas condições de existência.

A afirmação de Marx no Prefácio de O Capital de que os indivíduos são personificações de categorias econômicas não deve ser lida como uma negação da subjetividade fundadora, mas como a descrição do efeito da alienação onde as relações sociais, embora produzidas pelos indivíduos, autonomizam-se e dominam os seus produtores; a compreensão dessa inversão exige não a eliminação do sujeito, mas a análise de como a atividade subjetiva se objetiva e se estranha, mantendo a tese de que, no nível ontológico radical, o que vale para a classe vale para o indivíduo médio que a constitui.

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