Markus Grabriel (SE) – indivíduo e individuação
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Normalmente, o conceito de indivíduo é introduzido na ontologia e na metafísica para nos ajudar a compreender o fato de que podemos individualizar objetos de maneira conceitual e, segundo isso, não estamos confrontados apenas com processos absolutos, que se realizam abaixo do limiar da fixação conceitual. O conceito de indivíduo cumpre uma função teórica para explicar como o que existe nos é acessível no plano cognitivo ou epistêmico. Pois os indivíduos são objetos suficientemente distintos de outros objetos para serem conhecidos como tais.
Por enquanto, basta entender por indivíduos objetos suficientemente determinados, sem se prender à suposição problemática de que algo só é um indivíduo se for completamente determinado. Pois, pelo menos, o grau de individuação epistêmica e de determinação epistêmica suficiente varia para muitos indivíduos em relação ao interesse que depositamos neles. A individuação, em geral, não é uma questão puramente óntica, que em geral pode ser entendida pelo fato de excluir interesses ou a relatividade do conhecimento. De alguns indivíduos, pode-se até dizer que sua individuação epistêmica e sua individuação óntica estão tão conectadas que não é mais possível afirmar que, no plano óntico, eles são individuados de maneira diferente ou mais completa do que no plano epistêmico. De fato, alguns objetos, por exemplo, algumas instituições, existem apenas sob condições que foram fixadas de maneira explicitamente declarativa. A questão de se alguém é cidadão do Brasil é fixada por um catálogo de regras que, desde o início, estão dispostas com vistas a uma individuação. Não se pode ter propriedades relevantes, onticamente individuadoras, de cidadãos, se até agora ninguém as conheceu como individuadoras, por exemplo, porque nossas condições de aplicação, classificadas no plano epistêmico para a cidadania estatal, não puderam corresponder até agora à complexidade ontológica do estado das coisas.
Para que, em geral, possam existir indivíduos neste sentido relativo aos interesses, é necessário que já tenham sido cumpridas algumas condições independentes dos interesses. É impossível que existam apenas indivíduos relativos aos interesses, pois as condições que explicariam isso não seriam, por sua vez, relativas aos interesses. Na medida em que nossos interesses como seres que reivindicam o conhecimento resultam, entre outras coisas, do fato de pertencermos a uma determinada espécie biológica, algumas das condições desinteressadas de nossos interesses são de natureza biológica. Uma vez que nossa espécie biológica só produz sujeitos do conhecimento que pertencem às comunidades surgidas ao longo da história, juntamente com as condições biológicas, outras condições genuinamente históricas e sociológicas devem ser cumpridas para que o conhecimento humano relativo aos interesses possa ser formulado.
A tradição acadêmica concebeu os indivíduos como objetos completos, como entia omnimodo determinata. O que torna um indivíduo neste concreto, em diferença daquele outro, são suas propriedades, e é pelo menos difícil ver como um indivíduo pode carecer de uma de suas propriedades. De qualquer forma, isso levanta questões que teremos de esclarecer mais tarde, pois a suposição de que os indivíduos são objetos completos leva facilmente a não considerar os objetos fictícios como indivíduos. Ao que parece, as bruxas em Fausto distinguem-se das bruxas normais (sobre as quais opinamos que não existem) entre outras coisas porque não se sabe quantas orelhas elas têm, ou se têm sobrancelhas. Dito com mais precisão, elas se distinguem das bruxas normais pelo fato de que só são determinadas em todos os aspectos relevantes em relação a uma interpretação bem-sucedida (entre as muitas que existem) e no âmbito da formação da ilusão. Não são, portanto, algo como objetos incompletos, mas sim capazes de serem conhecidos e tematizados completamente no âmbito (no campo do sentido) de interpretações bem-sucedidas. A partir desse pano de fundo, Kripke nem mesmo considera plausível que possam existir unicórnios, pois estes, como sabemos pela literatura, pelos museus de arte ou pelos filmes, não têm um genoma fixo, pelo que não são espécies animais que possam vir a ser descobertas. Mas como os unicórnios deveriam ser animais, também não podemos descobri-los.
Independentemente de como lidarmos com essa questão em seus detalhes, não é possível separar completamente os indivíduos de suas propriedades autênticas, pois elas determinam de quais indivíduos se trata. Indivíduos sem nenhuma propriedade autêntica não seriam indivíduos, pois não cumpririam as condições mínimas para uma individuação óntica e epistêmica.
