User Tools

Site Tools


maine_de_biran:libera-as1-sujeito-um-operador-metahistorico

Libera (AS1) – "sujeito", um operador metahistórico

LiberaAS1

Não podemos dizer no momento quem, entre os modernos, foi o primeiro a falar de “sujeito” ao ler ou discutir Descartes. Certa passagem de Henri Gouhier sugere que Maine de Biran pode ter introduzido a expressão “sujeito psicológico” em relação ao cogito um sujeito psicológico, como dizia Maine de Biran, mas num sentido mais biraniano do que ele pensava.»]]. O que é certo é que o autor do Ensaio sobre os fundamentos da psicologia foi um dos primeiros a elaborar um dossiê crítico sobre a res cogitans cartesiana, seja para estigmatizar um erro categorial baseado numa simples identidade lógica («altera-se a verdade do fato logo que se transforma, por uma identidade lógica, o eu atual no ser ou na alma coisa, tomada pela coisa pensante» ]), seja para denunciar o recurso à ideia de substância, incompatível com a de ação ou atividade (pois a substância é «sempre concebida sob um aspecto de passividade» ]), ou ainda para combinar as duas críticas, atribuindo a Descartes uma incapacidade de expressar a individualidade do “sujeito” real. Mesmo que não houvesse nenhuma menção ao “sujeito” em Descartes, é forçoso constatar que há o suficiente em seu adversário para atribuir ao cartesianismo uma espécie de recuo diante de sua própria descoberta. Como escreve, de fato, a monografia sobre A Ideia de Existência:

Descartes evidentemente teve a intenção de partir do sujeito tal como ele existe; mas, levado pelas formas da linguagem, exprime a individualidade precisa do sujeito sob o termo universal apelativo de um objeto indeterminado: daí todas as ilusões lógicas e físicas nascidas do princípio ou da forma de seu enunciado ].

Como se vê, não basta dizer que “o” sujeito “cartesiano” é um produto da leitura moderna de Descartes: o que é preciso dizer, e antes de tudo ver, é que a própria noção de “sujeito” é um operador metahistórico, que permite inscrever o cartesianismo num processo de longa duração, marcar seus limites e diagnosticar seu erro. No fundo, pouco nos importa, nesta etapa, saber se Maine de Biran foi ou não o primeiro a inscrever as Meditações na órbita do “sujeito”: mais decisivo é o tom de serena familiaridade com que ele usa o referido vocábulo, e a cumplicidade que ele supõe na relação de Descartes com seu próprio ponto de partida, como se o cartesianismo tivesse querido ser desde o início, originária e naturalmente, uma psicologia “do” sujeito, e tivesse como única falha não ter conseguido constituí-la como tal. Um etnólogo diria que a ciência social do observado é aqui eclipsada pela do observador. Estaremos, então, quites ao postular, como filósofos avisados, que o termo sujeito pertence à metalinguagem histórica antes de pertencer à linguagem-objeto à qual se aplica? Certamente não. A tese é justa, mas incompleta. É preciso ir mais longe na abstração e tratar o sujeito da metalinguagem histórica como parte da linguagem-objeto da arqueologia: “traçar”, como se disse, dois processos, duas histórias entrelaçadas. Para isso, é preciso dispor de ferramentas arqueológicas. Proporemos três. A primeira — a subjetidade — será emprestada de Heidegger. A segunda — o atributivismo — da interpretação analítica de Aristóteles. A terceira — o atributivismo* — terá primeiro de ser forjada.

/home/mccastro/public_html/sofia/data/pages/maine_de_biran/libera-as1-sujeito-um-operador-metahistorico.txt · Last modified: by 127.0.0.1