O outro não existe
Antonio Machado, Machado2002
De um a outro é o grande tema da metafísica. Todo o trabalho da razão tende para a eliminação do segundo termo. O outro não existe: é a profissão de fé racional, a crença incurável da razão. Identidade = realidade, como se, no fim de contas, tudo tivesse de ser, absoluta e necessariamente, uma e a mesma coisa. Mas o que é outro não pode ser reduzido; permanece, persiste; é o osso no qual a razão quebra os dentes. Abel Martin, animado por uma fé na poesia não menos humana do que a sua fé na razão, acreditava naquilo que é outro, na “heterogeneidade essencial do ser”, ou seja, na alteridade incurável de que sofre o que é um.
A filosofia, do ponto de vista da razão ingénua, é, como diz Hegel, o mundo de pernas para o ar. A poesia, pelo contrário”, acrescenta o meu mestre Abel Martin, ”é a outra face da filosofia, o mundo visto, finalmente, de pernas para o ar. Isto, finalmente“, comenta Juan de Mairena, ‘trai o pensamento algo ingénuo do meu mestre: ’Para ver o mundo de pernas para o ar, é preciso primeiro tê-lo visto de pernas para o ar”. Ou vice-versa.
