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jullien:nao-agir

Não-agir

(Jullien2009)

Ao defender o “não-agir” e o recuo de um tema como princípio, outra tradição de pensamento, como a chinesa, torna-nos sensíveis, pelo contrário, a essa inteligibilidade que de repente nos parece faltar. Em todo caso, fornece-nos um primeiro viés para nos orientar nesse desamparo. Esse deslocamento pode nos servir. Pois, longe de promover, sob esse tema, o desengajamento ou a passividade, valoriza a transformação em relação à ação, e isso em nome do próprio efetivo. Os dois não se opõem diametralmente, de fato? A ação é local, momentânea (mesmo que este momento possa durar), ela intervém aqui e agora, hic et nunc, e refere-se bem a um sujeito como seu autor (que pode ser plural). Por conseguinte, ela se destaca do curso das coisas, é saliente, e, portanto, é notada: vê-se o sujeito agir, pode-se fazer uma narrativa – a epopeia. Ao contrário, faz-nos notar o pensamento chinês, a transformação é global, progressiva e ao longo do tempo, resulta de uma correlação de fatores e como é “tudo”, nela, que se transforma, ela nunca se destaca suficientemente para ser perceptível. Não se vê o trigo amadurecer, mas constata-se o resultado: quando está maduro e é preciso colhê-lo.

Há até mesmo uma completa inversão entre uns e outros, neste aspecto, gregos e chineses; e esta nos abre uma primeira brecha – oferece-nos uma primeira tomada – nesse caminho de análise tão pouco marcado. Pois, de um lado, a natureza aristotélica, physis, é concebida como um sujeito-agente: ela “quer”, “visa”, “empreende”, é “engenhosa” e estabelece “objetivos”. No entanto, por outro lado, o sábio ou estrategista chinês não manifesta outra ambição senão “transformar” como a natureza (hua é sua palavra-chave). O estrategista transforma o equilíbrio de forças de forma a fazê-lo inclinar silenciosamente a seu favor, ao longo do tempo: mal ele engajará o combate e o adversário cairá por si mesmo, sem poder resistir, já derrotado. Quanto ao Sábio (ou Príncipe), longe de pretender dar lições ou impor ordens, de forma notável, longe de querer atrair a atenção dos outros por milagres ou feitos, ele se contenta em “transformar” os costumes, ao seu redor, passo a passo, em silêncio: o único exemplo de sua conduta se espalha por si só, de fato, e influencia apenas pelo seu fato, de forma incidental, ao longo dos dias, impregnando e modificando gradativamente os comportamentos – e basta para educar. Como se difunde sem intenção projetada, mas por contaminação no bem e se espalha como uma mancha de óleo, sua abrangência se estende de forma exaustiva – por autoexpansão e sem encontrar resistência – da sua família para todo o país, dizem-nos, e até os confins do mundo.

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