Jankélévitch (1981) – Aparência e Maneira
JANKÉLÉVITCH, Vladimir. Le Je-ne-sais-quoi et le presque rien. Paris: Éd. du Seuil, 1981.
Há diversas maneiras de ocultar o mistério, seja pela simples inversão da ordem de importância entre a essência e o acidente, seja pela redução do incognoscível a uma mera atenuação quantitativa do que é passível de ser conhecido, operação esta que fundamenta a reabilitação do acidente típica de uma filosofia modal desinteressada do ser em si para focar exclusivamente nas maneiras de ser deste ser. O filósofo, neste contexto, reintegra a caverna de sombras e reflexos da qual outrora libertara os cativos, promovendo uma equivalência ontológica entre qualidades primárias e secundárias num impressionismo filosófico que reduz a substância aos seus modos, uma inversão do platonismo já perceptível na ética do Decorum de Cícero e que assume forma aguda na obra de Balthasar Gracian, cuja máxima opõe a Circunstância à Substância e a Maneira à Coisa. Gracian designa a maneira como o Como, concebendo-a sob forma qualitativa vinculada ao agrado sensível, operando uma inversão que sucede a conversão platônica e neoplatônica, parecendo reabilitar o jogo frívolo das aparências, das nuances e o balé das sombras vãs cujo nome platônico era skiagraphia, embora, enquanto cristão e sobrenaturalista, o jesuíta aragonês insista que apenas a verdade importa, opondo o homem substancial ao homem de ostentação e preferindo o sólido da substância ao vácuo da vaidade.
A primazia do substancialismo, no entanto, concilia-se teologicamente com uma reabilitação relativa das modalidades, pois o Criador conferiu às criaturas o Parecer simultaneamente ao Ser como um acréscimo, de modo que o artifício atua como uma segunda natureza que reforça a primeira e a maneira de ser constitui um segundo ser ou um suplemento ontológico, uma pequena majoração com a qual o Criador gratificou o ente para que, além do Esse nu, possuísse também o esplendor multicolorido e a glória, tal como explicado pelo apólogo do Pavão no livro O Discreto. Sem a ostentação, toda perfeição permaneceria num estado de violência, e a aparência, embora sacramentária e não sagrada, revela a anfibologia de sua natureza, pois se sua negatividade reside no parecer sem ser, sua virtude positiva é o aparecer, funcionando como a auréola visível e gloriosa da essência invisível e concentrada, uma irradiação de um ser sobrenatural onde algo da substância resplandecente, porém obscura, transita para a aparência resplandecida. A dialética ascendente da República e do Banquete, que se elevava das sombras para a luz suprassensível do Bem, é substituída pela ordem da teofania que permite o estágio no mundo dos mil reflexos, onde o sol deixa de ser alegoria do invisível para se tornar uma luz ostentativa que ilumina o teatro do mundo, cuja função é a mostra e a exibição, e não a condução metafórica para o além.
O exterior permite o conhecimento do interior não por ser anagógico, mas porque a casca é o que se conhece imediata e primeiramente, tornando a aparência aquilo que é primeiro em relação a nós (proteron pros hemas) e o que inicia a démarche a posteriori, pois o ser sem o parecer seria apenas uma substância terne e uma realidade irreconhecível, o Esse nudum. O parecer confere brilho ao ser sem constituí-lo, não tornando justa a justiça nem verdadeira a verdade, mas conferindo-lhes a reputação e o reconhecimento universal, tal como a maneira adocica o amargor da verdade sem alterar sua substância, ou como disfarça as rugas da velhice sem rejuvenescer o ancião, operando no campo da semelhança onde o verossímil é inferior ao verdadeiro. O ser é praticamente o que parece nas pequenas questões cotidianas da cidade e da corte, mas nas grandes e sérias questões, diante da doença e da morte, o homem possui a idade real de suas artérias, revelando que a tautologia pesada, ou melhor, a identidade vivida, fecha-se como um destino sobre o ser despojado de seus adornos, enquanto o Como dos institutos de beleza concerne apenas à meia-verdade dos espelhos, classificada no sexto livro da República como um reflexo ou um lustre (phantasma), sendo o invisível, nesta ótica mundana, equivalente ao inexistente.
A reputação, entendida como um saber refratado na opinião alheia, não cria o saber, mas o duplica com um saber segundo que doura o primeiro, marcando a distinção entre o platonismo, que rejeita os perfumes do baixo agrado e opõe a verdade austera à lisonja, e o gracianismo, que reabilita as rotinas desacreditadas da lisonja (kolakeia), da cosmética, da retórica e da sofística, nas quais o Gorgias via apenas os precursores do hedonismo. Sob a égide de Gracian, organiza-se uma técnica da complacência e uma academia de lisonja no caminho aveludado do estratagema, onde a corrupção da criatura obriga a levar em conta a zona passional e conjectural da existência, engajando-se no jogo intramundano mais profundamente que Pascal, assemelhando-se a Cícero e ao cortesão de Balthazar Castiglione, cujo personagem plausível se adapta perfeitamente ao regime da opinião (doxa) e da aparência. Este homem moderníssimo, com a boca cheia de açúcar para confitar palavras, abandona a anagogia sublime de Platão pelos caminhos insidiosos de uma demagogia por doçura e suavidade, onde a complacência se soma à austeridade como a aparência trivial se soma à verdade celestial, estabelecendo que a circunferência é tão central quanto o centro e a circunstância tão essencial quanto a substância, tomando a sério as irisações e nuances que a filosofia clássica renegara.
A instalação deliberada no gabinete mágico das vaidades e prestigios consagra um docetismo que é também um fenomenismo, onde a verdade é captada em estado refratado ou refletido, fundando uma arte de prudência que joga com as maneiras circunstanciais da essência. A disjunção peripatética entre Prudência e Sabedoria, desconhecida por Platão, revive no jesuíta aragonês através de uma técnica prudencial que sugere paradoxalmente que o mistério dos seres reside em sua aparência mais superficial, ou que a própria substância, o sujeito inefável e imprédicável, assemelha-se a um não-ser diante do qual o silêncio seria apropriado, restando o discurso infindável sobre seus modos e circunstâncias. A aparência, possuindo voluminosidade e ocupando espaço, permite a exuberação descritiva, enquanto a substância permanece como um núcleo invisível; a aparência se pavoneia e tende ao arredondamento óntico, permitindo um logos circunstanciado e detalhista que, de acordo com Maquiavel, demonstra como a aparência transborda a realidade de todos os lados, tornando-se pletórica numa época de crescente densidade social e urbana onde ter o ar de algo é tudo o que importa.
A Corte é observada por Gracian, Castiglione e La Bruyere como um meio irreal e fantasmático, um microcosmo decepcionante e indefinível onde os atores são sombras e a aparência submerge o ser, justificando a visão de Pascal sobre a equivocidade do erro, pois o espírito de finesse não capta um ponto, mas um fausto e uma pletora de ostentação incompatível com a mensagem da ipseidade. O gracianismo aconselha preferir a intensão à extensão e a qualidade à quantidade, sugerindo que o extensivo é uma distensão e que a aparência se multiplica no espaço como um enxame, levando a uma degenerescência retórica onde se passa de buscar a maneira para fazer maneiras, culminando num maneirismo que é o sistema das aparências ossificadas. O intervalo entre Aristóteles e Quintiliano ilustra essa conceitualização, onde a retórica nascida da nuance se converte em classificação de tropos estéreis, esquecendo o voltar ou girar (trepein) do espírito em favor do tropo (tropos) como expressão já transferida e cristalizada, transformando as maneiras em espécies desidratadas pela dessecação conceitual, separadas da intenção significante viva.
O novo arte de agradar revela-se uma técnica de subjugar, distinguindo o charme de reciprocidade simpática do charme irreversível e agressivo dos mágicos, onde a maneira, nas mãos do maneirista profissional, torna-se incantação e operação unilateral, excluindo a comunicação mútua em favor de uma guerra fria de posições. A relação resume-se a ser penetrante e impenetrável, uma interação injusta que evita a correlação, onde se deve adivinhar sem ser adivinhado e desfazer o artifício alheio sem permitir que o próprio seja lido, ignorando a máxima de não fazer aos outros o que não se quer para si; o cortesão gracianesco e o príncipe maquiavélico evitam a adulação passiva, mas praticam a adulação ativa como estratagema para dominar sem ser dominado. O objetivo deixa de ser gnóstico para ser prático e militante, visando manter o desnível onde um parceiro tem consciência do outro enquanto o outro permanece na ilusão, uma dialética de esperteza onde a consciência trabalha incessantemente para reconstituir sua posição dominante através de trapaças indestrinçáveis, transformando a natureza num tabuleiro de xadrez onde a máscara e a hipocrisia desviam o corrente de compreensão.
A visão na filosofia do mascaramento é um órgão ambíguo, sendo clarividência radioscópica para o sujeito e campo de ilusão enquanto espetáculo, onde o sujeito vê sem ser visto e mostra para despistar, estabelecendo uma relação unilateral de um clarividente invisível para um voyeur cegado. A aparência pelicular funciona como envelope que detém o olhar dos tolos, e a idolologia do século XVII, de Pascal a Malebranche, manifesta desconfiança dessas imagens que apenas deixam passar raios centrífugos, sobrepondo ao mundo primário da visão um mundo secundário de ícones prestigiosos. O ilusionismo gracianesco desenvolve uma teoria do deslumbramento da alma crédula pela luz mentirosa, onde a luz, desviada de sua função iluminadora, serve para cegar, e o homem moderno descobre o maquiavelismo latente do platonismo ao reter para si a refutação do hedonismo enquanto a oculta dos outros, explorando a propensão humana ao maravilhamento e a credulidade incurável diante de magistrados, pavões e charlatães, utilizando o homem profundo para manipular o homem superficial.
A ambição de reconstituir um império de domínio motiva o cortesão a instalar-se na pele de sua aparência, onde a arte de parecer desliza para a arte de simular, transformando o Símile em Pseudo, de modo que o homem secreto não apenas parece, mas faz de conta, maquiando voluntariamente o real para enganar. Diferente da semelhança que pode revelar o ser ou divergir inocentemente, a simulação exige uma hermenêutica tortuosa através de um labirinto de complicações, onde a ostentação não existe sem o escamoteio nem a mostra sem a dissimulação. A finta torna-se técnica instrumental de dominação, substituindo a ordem geométrica por manobras e manigâncias, e o charme é redefinido pelo Homem de corte e pelo Herói não como simpatia, mas como um gancho ou um anzol para captar a crença e arrombar o assentimento, constituindo uma forma de beligerância.
A maneira concebida como aparência periférica não pode ser princípio de espiritualidade, pois sua ambição limita-se a oferecer uma fachada esplêndida, sendo condenada por Diderot como afetação; tentar atribuir vida interior a essa exterioridade seria confundir segredo com mistério. O conselho de parecer profundo e infinito sem o ser revela que a profundidade do homem superficial é uma pseudo-profundidade ou uma simples cachotice, e o mistério que se ostenta é, na verdade, um segredo de Polichinelo que encobre um egoísmo banal. A consciência especiosa e desdobrada não existe para si, mas para o outro, sendo o oposto da boa fé socrática ou da seriedade cartesiana, pois sua verdade reside inteiramente em ser reconhecida e estimada pela opinião alheia, habitando o reino ilusório do Favor que negocia com o ar e com as ficções a serviço da finta, como indicado pela citação de Persio que afirma que o saber nada é se os outros ignoram que se sabe.
