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Delimitar o presente (Marco Aurélio)

(Hadot2018)

No estoicismo, o momento de concentração no presente é ainda mais acentuado, como se explicita no pensamento de Marco Aurélio: Eis o que te basta: o julgamento que, neste momento, tu fazes sobre a realidade, contanto que seja objetivo; a ação que, neste momento, tu realizas, contanto que seja realizada a serviço da comunidade humana; a disposição interior na qual, neste mesmo momento, te encontras, contanto que seja uma disposição de alegria diante da conjunção dos acontecimentos produzida pela causalidade exterior. Marco Aurélio se exercita, portanto, em concentrar sua atenção no momento presente, isto é, no que está pensando, fazendo e experimentando no próprio momento. “Isso te basta”, diz a si mesmo, e a expressão tem duplo sentido: isso basta para te ocupar, tu não precisas pensar noutra coisa; isso basta para te tornar feliz, não há outra coisa a ser buscada. Esse é o exercício espiritual que ele próprio denomina: “Delimitar o presente.” Delimitar o presente é desviar a atenção do passado e do futuro para concentrá-la no que se está fazendo.

O presente ao qual Marco Aurélio se refere é um presente que é definido pela vivência da consciência humana: representa, então, certa espessura de tempo, uma espessura que corresponde à atenção da consciência vivida. É esse presente vivido, relativo à consciência, que está em questão quando Marco Aurélio aconselha a “delimitar o presente”. O ponto é importante: o presente se define com relação ao pensamento e à ação do homem que nele envolve toda a sua personalidade.

O presente basta para nossa felicidade porque é a única coisa que nos pertence, que depende de nós. De fato, aos olhos dos estoicos é essencial saber distinguir o que depende e o que não depende de nós. O passado já não depende de nós, visto que está definitivamente fixado; o futuro não depende de nós, porque ainda não existe. Só o presente depende de nós. É a única coisa, portanto, que pode ser boa ou ruim, pois é a única que depende de nossa vontade. Já o passado e o futuro, por não dependerem de nós, por não serem da natureza do bem ou do mal moral, devem, portanto, ser-nos indiferentes. É ocioso se perturbar com o que deixou de ser ou com o que talvez jamais seja.

Esse exercício de delimitação do presente é descrito por Marco Aurélio da seguinte maneira: Se tu separares de ti mesmo, isto é, de teu pensamento , tudo que fizeste ou disseste no passado e todas as coisas que te perturbam, porque estão por vir, se tu separares, do tempo, o que está além do presente e o que já passou , se te exercitares a viver tão somente a vida que vives, isto é, o presente, poderás passar todo o tempo que te é concedido até tua morte com calma, benevolência, serenidade…

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